quarta-feira, 9 de novembro de 2011

ORAÇÃO PARA MARILYN MONROE, de Ernesto Cardenal






Senhor

recebe esta moça conhecida em toda a terra pelo nome de Marilyn Monroe
ainda que este não seja o seu nome verdadeiro
(mas Tu conheces o seu nome verdadeiro, o da pequena orfã).
violentada aos 9 anos,
a empregadinha de loja que quis se matar aos 16
e agora se apresenta diante de Ti sem nenhuma maquilagem
Sem seu Agente de Imprensa
Sem fotógrafos e sem assinar autógrafos
sozinha como um astronauta diante da noite espacial.
Ela sonhou quando menina que estava nua em uma igreja
(de acordo com a Time)
diante de uma multidão prostrada, com as cabeças no chão
e tinha que caminhar na ponta dos pés para não pisar nas cabeças.
Tu conheces nossos sonhos melhor que os psiquiatras.
Igreja, casa, cova, são a segurança do seio materno
mas também é mais que isso.

As cabeças são os admiradores, é claro
(a massa de cabeças na escuridão debaixo de um jorro de luz).
Porém o templo não são os estúdios da 20th Century Fox
que fizeram de Tua casa de oração um covil de ladrões.

Senhor
neste mundo contaminado de pecados e radioatividade
Tu não culparás apenas uma empregadinha de loja.
Que como toda empregadinha de loja sonhou ser estrela de cinema.
E o sonho foi realidade (mas como a realidade do technicolor).
Ela apenas representou de acordo com o script que lhe demos
--O de nossas próprias vidas-- E era um script absurdo.
Perdoa-lhe Senhor e nos perdoa
por nossa 20th Century
por esta Colossal Super Produção em que todos trabalhamos
Ela tinha fome de amor e oferecemos tranqüilizantes.
Pela tristeza de não sermos santos
recomendamos a Psicanálise.

Lembra-Te Senhor do seu crescente pavor da câmara
E seu ódio à maquilagem – insistindo em maquilar-se a cada cena –
e como se foi fazendo maior o horror
e maior a impontualidade nos estúdios.

Como toda empregadinha de loja
sonhou ser estrela de cinema.
E sua vida foi irreal quanto um sonho que um psiquiatra interpreta e arquiva.

Seus romances foram um beijo com os olhos fechados
que quando se abrem os olhos
descobrem-se embaixo de refletores
e os refletores se apagam.

E as duas paredes do quarto se desmontam (eram um set de cinema)
enquanto o Diretor se afasta com suas anotações
porque a cena já foi rodada.
Ou como uma viagem de iate, um beijo em Singapura, um baile no Rio
a recepção na mansão do Duque e da Duquesa de Windsor
vistas da sala do apartamento miserável.
O filme acabou sem o beijo final.
Acharam-na morta em sua cama com a mão ao telefone
E os detetives não souberam a quem ia chamar.
Foi
como alguém que discou o número da única voz amiga
e ouve apenas a voz de uma gravação dizendo: WRONG NUMBER
Ou como alguém que ferido pelos gangsters
estende a mão para um telefone desligado.

Senhor
quem quer que tenha sido a quem ela chamava
e não chamou (talvez ninguém
ou era Alguém cujo número não se encontra na Lista de Los Angeles)
atende Tu ao telefone.



(Tradução de Roberto Schmitt-Prym)


(Ilustração: Andy Warhol)



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