1. A palavra falada, além de seu valor fundamental, possui um caráter sagrado que se associa à sua origem divina e às forças ocultas nela depositadas.
2. A tradição oral, que não se limita aos contos e lendas nem aos relatos míticos e históricos, é a grande escola da vida, recobrindo e englobando todos os seus aspectos. Nela, o espiritual e o material não se dissociam. Falando segundo a compreensão de cada pessoa, ela se coloca ao alcance de todos.
3. A tradição oral é, ao mesmo tempo, religião, conhecimento, ciência natural, aprendizado de ofício, história, divertimento e recreação. Baseada na prática e na experiência, ela se relaciona à totalidade do ser humano e, assim, contribui para criar um tipo especial de pessoa e moldar sua alma.
4. O conhecimento, ligado ao comportamento do homem e da comunidade, não é uma metáfora abstrata que possa ser isolada da vida. Ele deve implicar uma visão particular do mundo e uma presença particular nesse mundo concebido como um todo, em que todas as coisas se ligam e interagem.
5. A transmissão oral do conhecimento é o veículo do poder e da força das palavras, que permanecem sem efeito em um texto escrito. O conhecimento transmitido oralmente, pelo Verbo atuante, tem o valor de uma iniciação, que não está no nível mental da compreensão, porém na dinâmica do comportamento. Essa iniciação é baseada em reflexos que operam no raciocínio e que são induzidos por impulsos nascidos no fundamento cultural da sociedade.
6. Da mesma forma que, no ato da Criação, a palavra divina do Ser Supremo veio animar as forças cósmicas que se achavam estáticas, em repouso, a palavra humana anima, põe em movimento e desperta as forças que se encontram estáticas nas coisas.
7. À imagem da palavra do Ser Supremo, da qual é eco, a palavra humana põe em movimento forças latentes, que despertam e acionam algo, como ocorre quando um homem se ergue ou se volta ao ouvir chamar seu nome.
8. A palavra humana é como o fogo: pode criar a paz, assim como pode destruí-la. Uma só palavra inoportuna pode fazer estourar uma guerra, assim como uma simples fagulha pode provocar um incêndio.
9. A palavra é a marca distintiva da superioridade espiritual do se humano sobre os elementos não humanos do Universo e sua senha diante das portas do reino invisível do Ser Supremo. E a linguagem não é apenas meio de expressão e comunicação – ela é ação. Assim, um objeto não significa o que representa, mas o que ele sugere, o que ele cria.
10. O conhecimento transmitido oralmente, pelo Verbo atuante, deve ser passado, do mestre ao discípulo, por meio de sentenças curtas, baseadas no ritmo da respiração.
11. A palavra, que tira do sagrado seu poder criador e operativo, está em relação direta tanto com a manutenção quanto com a ruptura da harmonia, no ser humano e no mundo que o cerca.
12. A palavra é divinamente exata, e o homem deve ser exato com ela. Falar pouco é sinal de educação e de nobreza.
13. Sendo agente mágico por excelência e grande transmissora de força, a palavra não pode ser usada levianamente.
14. A mentira, por sua vez, é uma lepra, uma tara moral. Quem falta à própria palavra mata seu eu e se afasta da sociedade. A língua que falseia a palavra vicia o sangue daquele que mente. Quando se pensa uma coisa e se diz outra, rompe-se consigo mesmo – quebra-se a união sagrada, reflexo da unidade cósmica, criando assim a desarmonia dentro e em torno de si.
15. A palavra é força. O Verbo é a expressão por excelência da força do ser em sua plenitude.
16. A palavra é o sopro animado e que anima aquilo que expressa. Ela possui a virtude mágica de realizar a lei da participação. Por sua virtude intrínseca, a palavra cria aquilo a que dá nome. Ela tem, além de poder criador, a função de preservar e destruir. É uma força fundamental que emana do próprio Ente Supremo. O que Ele diz, é. Assim falou Hampâté Ba; e disse Senghor.
(Kitábu – O Livro do Saber e do Espírito Negro-Africanos)
(Ilustração: Tinga Tinga Studio - art. R. Duke)
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