“Xotinha é a das outras. Uma fêmea linda e tesuda como você tem é uma bela de uma bo-ce-ta.”
A palavra estalou no quarto. Como gema de ovo. Gelada. Ribombou nas paredes.
Como tambor. E parou. Parou suspensa. Solidificada.
Leda não sabia se afundava pela terra adentro, se ia embora, ou se fingia simplesmente não ter escutado a palavra horrível.
Não, impossível não ter escutado. Lá estava ela, a palavra, paralisada no ar, não só escutada como soletrada, arregalada, descarada, bo-ce-ta. Horrível. De todas, a única que ela jamais conseguiria pronunciar. Medonha. Quando a via escrita nos muros, lá no Interior, mesmo com bu em vez de bo, se avermelhava toda e virava o rosto. Quando começara a dizer alguns nomes feios, com as meninas do internato, esse era, de comum acordo, feio-além-da-conta, esse era “aquele” que não se ousará nunca dizer. Quando, já moça feita e desinibida, nos amores com o noivo pedia-lhe entre suspiros que “a possuísse logo”, sabia muito bem que os “desvarios” tinham limites claros, que a vulgaridade estava obviamente fora dos limites, e que “essa” palavra então, “essa” palavra destruiria tudo. E agora ali estava, na cama com um estranho, o noivado mal rompido, na cama com um estranho que lhe admirava a bo-ce-ta. Ai, não, que horror, não conseguia sequer “pensá-la” inteira. E a palavra ali na sua frente, boiando e planando, paradona, encarada, encarada, ah meu Deus, que lhe dera na cabeça? Como pôde chegar a isso? A menos de três horas atrás estava com o noivo no restaurante, anel no dedo, móveis comprados, casamento marcado, futuro planejado, definido, garantido. Uma briga de nada, começou com qualquer coisa sobre a roupa colorida dela e ela acabou se mandando do restaurante sozinha. Quando ia entrando no seu prédio viu o moço. Deu bola. Ele seguiu, entrou, agarrou e pronto. Ela deixou. Louca. Não, não dava pra não ter deixado, não dava. O noivado rompido, o clima de aventura, a excitação, o inusitado, o desconhecido. Ela deixou e até ousou bastante, pedindo a um estranho: “Põe, põe na minha xotinha, põe.” Pra escutar aquilo. Que xotinha era a das outras. Que a dela, bem, pra escutar aquilo, aquela resposta-palavra despudorada solta no ar encarando ela, como se sentia ridícula. “Põe, põe na minha xotinha.” Uma débil mental miando baixo, uma menina boba esganiçando fino, uma cavalona com a xotinha impúbere. Ficou se imaginando imensa e com a xota de bebê, um tracinho fino e pelado no meio das pernas compridíssimas, das ancas parideiras, do ventre aveludado, dos seios de macieira. Foi aí então que Leda percebeu que a palavra não estava mais no quarto. Foi só então que ela viu que o som, como que por encanto havia desaparecido da frente dela. Aí ela sentiu. Sentiu numa contração quente e funda, quase doída, que a palavra havia caído e se agarrado nos confins das suas entranhas. Se agarrado feito torniquete contorcendo o útero, tinha virado brasa, bo-ce-ta. Cheia e polpuda, ele continuava, crespa, carnuda, e ele foi lá então, carnuda e saborosa, gostosa, gostosa, e se enfiou, bo-ce-ta, a sua bo-ce-ta, boceta de mulher feita de mulher fêmea desabrochada, exuberante, é carne, é suco, é flor, é fruta, é figo, é figo, é boceta, boceta, e com a língua lá dentro ele beijou e lambeu e chupou e se lambuzou, chupa, ela se escutou falando então, chupa, lambe, morde, assim, molha, cospe e beija e saliva molhado, endurece a língua e enfia firme, assim, deixa ela dura como o teu. . . ca-ra-lho. Essa ela já nem se escutou falando mais. Já estava entregue. Ela já não escutava, nem pensava, nem sabia. E nem sentia. Ela “era” todas as emoções e sentimentos, ela era todas as palavras mais sublimes e as mais chãs, ela era todas as poesias e todos os calões mais baixos, amor, amor, ela falava, mesmo sabendo que esse tesão não era amor ela falava amor, não te conheço e te amo, vem amor, me fode com esse teu pau gostoso, não, você não tem pau, você tem ca-ra-lho, pau é o dos outros, você tem ca-ce-te, de homem macho plantado firme, de base sólida se levantando rijo, me dá, me deixa apalpar, assim, me dá, é meu, me deixa passar os lábios e te sentir com a língua, duro, firme, decidido, deixa que a minha boca te engula inteiro, e te sugue e sugue e chupe e nos lambuzemos juntos, vem, investe firme neste meu campo teu, escoiceia e enfia fundo, me entala com o teu talo forte e me estala, me arrebenta, tome posse desse poço, caramba, que foi que eu disse, não sei mais se apenas penso ou digo e faço, eu enlouqueço, e Leda então também beijou e lambeu e chupou e se lambuzou, queria morrer agora e nos cristalizar assim neste prazer tão doido e eternizar este meu gozo novo, este meu gozo único, este meu gozo, ah, caceta, não sei se penso ou falo, fazemos, vem meu tesão louco, desvairado assim, assim, vem, bem fundo, enfia e queima lá no fundo, é de lá que eu... vem amor, ah, me trepa e mete, eu enlouqueço, junto comigo agora, vem meu amor, agora, o gozo nosso, eu vou.... ah, amor, meu amor... meu am... Gritaram juntos. As contrações e o gozo foram completamente inverbalizáveis. A impressão era que depois do gozo eles dois planaram e depois pousaram, relaxando calmos, como se fossem santos. Fecharam os olhos e assim ficaram muito tempo, deitados de mãos dadas, agora sem falar e nem pensar nada. Então ele acariciou os cabelos dela e disse seu nome, Luiz, mas ela pediu silêncio. Então ela mentiu que era casada e que o marido ia chegar. Ele se levantou, mudo, vestiu-se. Rabiscou o telefone num papel, jogou sobre a cadeira e foi-se embora. Ela se espreguiçou, andou um pouco pelo quarto, amassou o papel que estava na cadeira e jogou no lixo, displicentemente. O telefone tocou, era o noivo dela, ela disse que ele tinha um pirulito e ela uma bela de uma boceta, e desligou. Vestiu-se cantarolando, alegre, pela primeira vez na vida sentia-se liberta, segura e solta, dona de si e do mundo. Pegou a bolsa, abriu a porta, chamou o elevador. Saiu pra rua. Nunca tinha visto antes uma noite linda como aquela, o ar tão fino e puro, o céu tão estrelado, nunca se sentira antes tão assim, sem medos, tão assim dona de si, do mundo, e de todos os homens do mundo. Um cara passou e falou que não sabia que boneca andava, ela pensou que cretino e continuou andando. O segundo cara disse que ela era a nora que a mãe dele sonhava, ela pensou que imbecil e continuou andando. Dois, três, cinco quarteirões e finalmente o quarto cara que mexeu com ela fez um barulho molhado com a boca e disse—“ô tesuda, posso dar uma chupada nessa sua boceta gorda?” Ela parou e olhou pra ele. Ficou olhando, e escutando. Ficou esperando. Mas nada. Ela esperando e nada. Nada. Não havia meio, a palavra continuava lá, suspensa e horrorosa. Não havia meio de a palavra cair e se contrair no fim do fundo das suas entranhas e do seu útero. Ficava lá, suspensa e paradona em cima da cabeça dele, sem tesão nem excitação nenhuma, apenas chapada, feia, arregalada e arreganhada. Pornograficada. Ela então voltou pra casa, foi até o lixo, desamassou o papel, foi até o telefone e discou.
“Luiz? Olha, eu não sou casada não e...”’
E foram felizes pra sempre.
(Status Literatura No. 76A.)
(Ilustração: Georgia O'Keeffe - not from my garden)
De ums tempos para cá, venho notando que a palavra "boceta", com "o" e bem soletrada, bo-ce-ta, vem sendo mais usada pela mulheres de todos níveis com mais naturalidade. Verifico também que tanto mais usam quanto mais excitadas estão, parecendo que se excitam ainda mais ao pronunciarem a palavra. O mesmo ocorre com o "cunt", tradução inglêsa da nossa boceta. Jodie Foster, com aquele rostinho cândido, chegou a pronunciá-la muito naturalmente naquele filme famoso com o Anthony Hopkins.
ResponderExcluir