Na Sexta-Feira Santa, uma mulher de 60 anos rezava diante do número 1.016 da Rua Fairfield,onde ocorreu um tiroteio. Ela lia umlivro de orações e, de tempos em tempos, dava uma tragada num cigarro encharcado. Policiais numa viatura, a meio quarteirão de distância, vigiavam a mulher e a casa com as janelas fechadas por tábuas.
No início relutando falar, ela acabou sussurrando: “Sou a avó do garoto que matou aqueles guardas.” Ela disse que seu nome era Catherine Scott e estava rezando por seu neto, Richard Poplawski, 22 anos, que está preso, e pelos três policiais que ele matou: Stephen Mayhle, 29 anos; Paul Sciullo, 37; e Eric Kelly, 41.
Os policiais foram mortos quando investigavam uma denúncia de tumulto na casa. A polícia informou que eles foram recebidos por Poplawski, que vestia um colete à prova de balas e estava armado até os dentes. “Meu neto fez uma coisa terrível”, disse Catherine. “Não há perdão para o que ele fez.”
Seja como for, não há fim para o trauma e o sofrimento causado por essas pavorosas erupções de violência armada, tão comuns na cena americana. No mesmo dia em que os três policiais foram assassinados, James Harrison, de 34 anos, matou cinco crianças a tiros e depois se matou em Graham,Estado de Washington. As crianças foram identificadas como Maxine,16 anos; Samantha, 14; Jamie, 11; Heather, 8, e James, 7.
No dia anterior, um homem em Binghamton, Estado de Nova York, invadiu uma associação cívica, matou 13 pessoas e se suicidou. Em 7 de abril, três dias depois da matança em Pittsburgh e Graham, um homem em Priceville, Alabama, assassinou a mulher, a filha de 16 anos, a irmã, e um sobrinho de 11 anos, antes de se matar.
E tem mais. Quatro policiais de Oakland, Califórnia, foram assassinados no mês passado por um preso em liberdade condicional que, em seguida, foi morto pela polícia. Desde 11 de setembro de 2001, quando a atenção dos EUA se voltou para o terrorismo, 120 mil americanos foram mortos em homicídios não relacionados ao terror. Pense nisso – 120 mil mortos, quase 25 vezes o número de americanos mortos no Iraque e no Afeganistão.
Em geral, não damos atenção a essa carnificina. A ideia de fazer alguma coisa sobre o número de armas em circulação tem pouca chance de sucesso.E que tal se oito garotos fossem mortos a tiros a cada dia nos EUA? E se alguém fosse morto por uma arma a cada 17 minutos? O objetivo da Associação Nacional do Rifle e de muitos congressistas conservadores é colocar um número cada vez maior de armas nas mãos de um número cada vez maior de pessoas.
O Texas é um dos Estados que estudam leis para permitir armas em universidades. Os defensores dizem que isso permitirá que alunos e professores se defendam contra assassinos como o que matou 32 pessoas em Virginia Tech há dois anos. Eles gostariam que as armas fossem tão comuns como laptops ou celulares. Um legislador texano referiu-se a pessoas desarmadas em campus como “patos sentados”.
A polícia de Pittsburgh está abalada com a perda dos policiais.Detetives caminhavam atônitos de um lado para outro com lágrimas nos olhos. “Todos tinham famílias”, disse o investigador Antonio Ciummo, pai de quatro filhos. “É difícil descrever o tipo de dor que as famílias estão sentindo.”
A primeira página do jornal Pittsburgh Tribune-Review estampava uma foto da filha de 6 anos de Mayhle, Jennifer. Ela segurava uma rosa e um ursinho de pelúcia. Havia também uma foto da viúva de Kelly, Marena, com os olhos perdidos para o céu. Todas as expressões de horror com a violência e piedade pelos mortos, porém, soam falsas numa sociedade que não é nem madura nem civilizada o bastante para fazer alguma coisa a esse respeito.
(The New York Times / publicado em OESP: 22.4.2009)
(Ilustração: Patrice Murciano - desespoir)
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