Textos, apenas textos, literários e poéticos, históricos e filosóficos, dramáticos e humorísticos; narrativos, descritivos ou dissertativos; de autores de todos os cantos do mundo...
segunda-feira, 8 de junho de 2009
CALE A BOCA, FAEL, de Álvaro Dias Cuba
Fael: Eu vou ser os três porquinhos.
Janaína: Eu vou ser a bruxa má.
Totó: É, você tem cabelo de bruxa mesmo.
Janaína: E você é uma coisa gorda.
Fael: Eu vou ser os três porquinhos.
Janaína: Cale a boca, Fael. Na história dos três porquinhos não tem bruxa nenhuma.
Fael: Mas eu vou ser os três porquinhos, sim.
Silas: Nem vem, Janaína. A minha mãe foi até lá na casa da sua mãe, brava que nem uma leoa, por causa daquela poção mágica que você fez a gente engolir.
Janaína: Era só suco de chuchu. Vocês são uns molengas. Nunca vi chorar por tão pouco.
Silas: Suco de chuchu que nada. Você socou chuchu numa lata, depois fez xixi por cima.
Vitinho: Eca! Vocês comeram chuchu com xixi?
Janaína: Mas eu pus açúcar.
Vitinho: Credo, xixi é salgado. Deve ter ficado com gosto de soro.
Totó: É isso mesmo. Pensando bem, parecia soro, que a gente toma quando fica sem comer.
Silas: Não quero nem saber de suas poções mágicas, Janaína. É melhor você ser uma fada madrinha bem boazinha.
Janaína: Não. Só se eu for a rainha.
Totó: Então tá. E eu vou ser o bobo da corte.
Vitinho: Eu vou ser o rei.
Silas: Eu, o príncipe.
Caíque: Eu vou ser o grande guerreiro. Vou defender a princesa e o castelo.
Vitinho: E o dragão? Quem vai ser o dragão?
Silas: Tem o Fael, né. Um dragãozinho meia-boca, mas...
Fael: Eu vou ser os três porquinhos, e ponto final.
Totó: Ai, cale a boca, Fael. Como é que você vai ser os três porquinhos? Você só vai poder ser um porquinho, oras.
Janaína: Não vai não. Não tem porco nenhum em história de rainha. E além disso, não quero bicho nojento nenhum morando no meu luxuoso castelo.
Fael: Ah, eu posso ser os porquinhos de estimação do rei.
Silas: Não, você tem sido porquinhos em tudo que é brincadeira, moleque. Nada disso.
Vitinho: Bom, eu tive uma idéia, Janaína. O Fael, na verdade, é um príncipe que uma bruxa má tinha transformado em porquinho.
Fael: Porquinho não, porquinhos.
Janaína: É, pode ser. Aí eu faço uma poção do bem e transformo ele em príncipe de novo.
Fael: Ah, não. Eu não vou tomar chuchu com xixi numa lata suja de leite em pó de novo não.
Janaína: Cale a boca, Fael. Eu não vou mais fazer suco de chuchu. É só o tempo de eu ir em casa buscar farinha de rosca e flor de azaléia.
Fael: Ah, eu não vou comer flor também não. Depois você chega com aquela pasta de xixi com qualquer coisa. Leca!
Silas: Cale a boca, Fael. Agora ela vai fazer comida de verdade.
Fael: Eu preferia ser os três porquinhos de verdade pra sempre.
Janaína: Ai, mas que droga.
Totó: Esse moleque não cala a boca.
Janaína: Você só vai ser porquinho se virar príncipe depois.
Fael: Não. Eu quero ser os três porquinhos pra sempre.
Vitinho: Bom, eu tive uma idéia melhor que a primeira, Janaína.
Janaína: O quê? Obrigar o Fael a beber um litro de chuchu com xixi?
Vitinho: Não. Mas vocês já viram como fica um porco depois de assado?
Caíque: Não me diga que a gente vai assar o Fael num forno?
Vitinho: Invés de trazer farinha e flor da casa dela, a Janaína pode trazer uma única e vermelha maçã.
Janaína: Maçã? Pra quê? Maçã é dura de socar.
Vitinho: Mas é o certo pro Fael. A gente mete a maçã dentro da boca dele. Ele cala a boca, vira porco e a rainha tem seu banquete.
(Narrativa de uma Couve na Horta e Outros Contos)
(Ilustração: Mia Makila)
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