Certa noite, em Presburgo, pouco tempo depois da morte de minha irmã, voltei para casa sentindo-me mais desolado que de costume. Amara muito a minha irmã. Não pretendo, porém, insinuar que sua morte me tivesse afligido em excesso; estava terrivelmente atormentado para ter tempo ou emoção para tanto. O sofrimento nos torna egoístas, pois nos absorve inteiramente. Só mais tarde, sob forma de saudade, é que o próprio sofrimento nos ensina a sermos compassivos. Cheguei em casa um pouco mais tarde que planejara, embora não houvesse fixado com minha mãe a hora da chegada. Portanto, ela não me esperava. Contudo, ao empurrar de leve a porta, encontrei-a sentada no escuro. Em seus últimos anos de vida, minha mãe costumava ficar quieta ao cair da noite, sem ocupar-se de coisa alguma. Parecia-me que desejava familiarizar-se com a inação e as trevas. Seu rosto, suponho, assumia a expressão calma e sincera que todos assumimos quando sabemos que estamos inteiramente sós e quando a escuridão em torno é absoluta. Entrei. Minha mãe não gostava de se surpreendida nesses momentos. Disse-me, tentado justificar-se, que a lâmpada apagara-se pouco antes de minha chegada. Coloquei a mão sobre o vidro. Sequer estava morno, mas completamente frio. Ela notou perfeitamente que eu não estava bem; somos mais clarividentes no escuro porque nele nossos olhos não nos podem enganar. Sentei-me ao seu lado às apalpadelas. Achava-me num estado de languidez especial e bastante meu conhecido. Parecia-me quase certo que uma confissão ia fluir de mim para minha mãe, inevitavelmente, sob a forma de pranto. Estava prestes a contar-lhe tudo quando a criada entrou com uma nova lâmpada.
O momento e a hora haviam passado. Já não lhe podia dizer mais nada porque não suportaria a expressão do seu rosto quando tudo tivesse sido compreendido. Um pouco de luz livrou-me de cometer uma falta irreparável, além de inútil. As confidências, querida Mônica, são sempre perniciosas quando não têm por finalidade simplificar a vida de outrem.
Entretanto, eu fora demasiado longe para guardar silêncio. Era preciso dizer alguma coisa. Descrevi então a tristeza da minha existência, minha chances de futuro indefinidamente afastadas, a dependência sob a qual meus irmãos me mantinham na família. Pensava, porém, numa submissão muito mais séria, da qual contava libertar-me partindo. Pus nessas queixas sem importância toda a angústia que teria posto numa outra confissão que não podia fazer e que era a única eu não podia fazer e que era a única que verdadeiramente importava. Compreendi que a convencera. Levantou-se e encaminhou-se para a porta. Estava cansada e frágil, e pude perceber o quanto lhe fora penoso concordar comigo. Era como se acabasse de perder um segundo filho. Quanto a mim, sofria por não poder confessar a verdadeira causa de minha insistência em partir. Talvez me julgasse egoísta. Quis dizer-lhe que não partiria.
No dia seguinte, mandou chamar-me. Falamos de minha partida como se ela sempre tivesse estado decidida entre nós. Minha família não era suficientemente rica para me manter com uma pensão; devia trabalhar para viver. A fim de me facilitar os primeiros tempos, minha mãe me deu, sob grande sigilo, uma quantia retirada de sua verba pessoal. Não era uma soma elevada, embora assim tenha parecido a mim e a ela. Tão logo me foi possível, reembolsei-a em parte, mas minha mãe morreu antes que eu conseguisse saldar o compromisso. Ela acreditava no meu futuro. Se algum dia desejei a glória foi por saber que isso a faria feliz. Assim, à medida que vão desaparecendo aqueles a quem amamos, diminuem nossas razões para conquistarmos uma felicidade que não poderemos fruir juntos.
(Alexis, tradução de Martha Calderaro)
(Ilustração: Alyssa Monks)
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