Estava recostada no sofá, observando o aquário, meu passatempo favorito. A peixinha preta estava barrigudinha, por isso nadava pesadamente, e a todo instante escondia-se no seu canto favorito, no meio das pedras. Olhava-me com certa preocupação. Era lá que ela iria ter seus filhotes.
O aquário era uma beleza. Estava repleto de peixes, todos criados ali há uns três anos mais ou menos. Procriavam sem parar. Nenhum morria. Ambiente propício, equilibrado, o que me dava prazer e calma.
As algas verdes flutuavam e balançavam conforme o ar do oxigenador empurrasse a água.
As pedrinhas de tons claros: cinza, rosa e verde formavam passagens, reentrâncias e vãos. E no meio delas, peixinhos vermelhos e pretos mostravam uma convivência amena, bem sei, mas até certo ponto.
Para assegurar a vinda tranquila dos filhotes, comecei a aumentar a ração para que, satisfeitos, os peixes não abocanhassem os pequeninos.
Deveriam nascer uns cinco ou seis. Se sobrevivessem nas primeiras horas estariam garantidos por uns três anos. Fiz tudo para isso. No canto preferido da mamãe peixe, empilhei mais pedras, como um ninho, e forrei as pedras ásperas com plantinhas para não arranharem os filhotes e propiciar-lhes maior chance de escapar dos grandes. Medi a temperatura e verifiquei o oxigênio, estavam perfeitos.
A peixinha preta me seguia e observava. Seus olhos agradecidos não piscavam e ela não evitava minha mão que se movimentava lentamente pelo aquário. Os caramujos ajudavam a enfeitar aquele pequeno mundo. Eles seguiam sua eterna brincadeira de armazenar oxigênio, desprender-se de onde estivessem grudados, quer no fundo, em uma planta ou vidro, e subir flutuando e rebolando até atingir a superfície. Na tona, deixavam-se levar pela correnteza provocada pelas bolhas de ar e agarravam-se novamente a outras plantinhas. Soltavam o ar, desciam, para logo mais flutuarem novamente. E foi nesse momento que notei algo diferente, estranho, que alguém mais partilhava da festa, mas de uma maneira especialmente má. E não era o papai peixe, que despreocupadamente passeava de um canto para outro, ora ciscando o fundo, ora comendo alguma plantinha mais tenra. Enxuguei as mãos e os braços. O resto da criançada e mesmo os adultos seguiam suas vidinhas plácidas e frias, na mais perfeita harmonia, não fosse alguma coisa estranha - senti novamente - o que eriçou meus pêlos do braço. Isto era um verdadeiro aviso. Então vi o brilho maligno dos olhos da peixinha vermelha. Suas escamas eram ruivas e brilhantes. Ela era linda! Mesmo assim não conseguiu atrair o macho - pensei. E seus olhos faiscavam! Bati o dedo no vidro do aquário e sussurrei:
— Psiu! Vá com calma, minha pequena.
Ela me olhou, voltou-se e foi embora nadando displicentemente. Estranhei, mas no momento não pude perceber todo o mal que se desencadeava ali. Enfim, cansada, esperando pelo evento, deixei o aquário em equilíbrio e, com a consciência tranquila, apaguei a luz artificial. Somente restou a luz da lua que brilhava pelo vão da janela. Os peixinhos deveriam nascer nesta noite. Fui dormir.
No outro dia, antes do café, corri para observar os filhotes - mas não havia nenhum! Tudo calmo no aquário, tudo estranhamente quieto, a não ser os olhos da mamãe peixe - já magrinha, pois os filhotes já haviam nascido. Seus olhos, porém, estavam arregalados de medo, aflitos, desesperados! Alguma coisa não estava bem. Senti novamente um arrepio. O peixe macho, indiferente seguia sua vida. Ah! A outra peixinha, a vermelha, pobrezinha, o que teria lhe acontecido? Toda machucadinha, suas escamas estavam raspadinhas. Corri para pegar um remédio e com o puçá puxei com delicadeza aquele corpinho todo arranhado. Foi aí que vi o ninho de algas todo desfeito, e as pedras ásperas esparramadas em volta. Os filhotes não nasceram em lugar seguro e resguardado! Por isso tinham sido comidos! Todos!
Num minuto entendi tudo! Continuei a puxar delicadamente o puçá com a peixinha vermelha dentro e descansei o seu cabo na beirada do aquário.
Fui tomar o meu café.
(Vinhos & Milongas)
(Ilustração: Fernando França)
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