Textos, apenas textos, literários e poéticos, históricos e filosóficos, dramáticos e humorísticos; narrativos, descritivos ou dissertativos; de autores de todos os cantos do mundo...
terça-feira, 29 de abril de 2025
O CHEIRO DE ROLHA QUEIMADA EM ALGUNS POEMAS DE MANUEL BANDEIRA, de Ronald Augusto
sábado, 26 de abril de 2025
MINERAI NOIR / MINÉRIO NEGRO, de René Depestre
…………tarie para le soleil
quand la frénésie de l’or draîna au marché la dernière
…………goutte de sang indien
de sorte qu’il ne resta plus un seul Indien
…………aux alentours des mines d’or
on se tourna vers le fleuve musculaire de l’Afrique
…………pour assurer la relève du désespoir
alors commença la ruée vers l’inépuisable trésorerie
…………de la chair noire
alors commença la bousculade échevelée vers le
…………rayonnant midi du corps noir
et toute la terre retentit du vacarme des pioches
…………dans l’épaisseur du minerai noir
et tout juste si des chimistes ne pensèrent aux
…………moyens d’obtenir quelque alliage précieux
avec le métal noir
tout juste si des dames ne rêvèrent d’une batterie
………….de cuisine en nègre du Sénégal d’un service
………….à thé en massif négrillon des Antilles
tout juste si quelque audacieux curé ne promit à sa
…………..paroisse
une cloche coulée
…………dans la sonorité
……………………du sang noir
ou si quelque vaillant capitaine
……………………ne tailla son épée
………………………………dans l’ébène minéral
ou encore si un brave Père Noël
………….ne songea à des petits soldats
………………………………de plomb noir
…………pour sa vie annuelle.
Toute la terre retentit de la secousse des foreuses
…………dans les entrailles de ma race dans
……………………le gisement musculaire
…………………………………………de
………………………………l’homme noir.
Voilà de nombreux siècles
………………………………que dure l’extraction
…………………………………………des merveilles
…………………………………………de cette race.
Ô couches métalliques de mon peuple
minerai inépuisable de rosée humaine
combien de pirates ont exploré de leurs armes
les profondeurs obscures de ta chair
combien de flibustiers se sont frayé leur chemin
à travers la riche végétation de
…………………………………………clartés de ton corps
jonchant tes années de tiges mortes
…………………………………………et de flaques de larmes
Peuple dévalisé peuple de fond en comble retourné
……………………comme une terre
…………………………………………en labours
peuple défriché pour l’enrichissement des grandes foires
……………………………………………………du monde
Mûris ton grisou dans le secret de ta nuit corporelle
…………nul n’osera plus couler des canons
…………et des pièces d’or dans le noir métal de ta colère en crues!
Tradução de Ernesto von Artixzffski:
Quando seco pelo sol o suor do índio
…………esgotou-se
quando a febre d’ouro drenou a derradeira
…………gota de sangue índio
varrendo do entorno das minas d’ouro todo Índio
…………nos voltamos ao veio muscular d’África
…………para garantir a emersão da miséria
então começou o assalto à infinda riqueza
…………da carne negra
então começou o desordenado ataque ao
…………radiante esplendor do corpo negro
e toda a terra retumbou ao retinir do alvião
…………na densidade do minério negro
e tudo bem se químicos não pensassem em meios
…………de obter uma preciosa liga
do metal negro
tudo bem se as damas não sonhassem com batedeiras
…………de cozinha em negra do Senegal serviços de chá
…………em maciço negrinho das Antilhas
tudo bem se um pároco audacioso não prometesse à sua
…………paróquia
um sino soldado
…………na sonoridade
……………………do sangue negro
ou se algum valente capitão
……………………não talhasse sua espada
………………………………no ébano mineral
ou ainda se algum bravo Papai Noel
……………………não sonhasse soldadinhos
………………………………em chumbo negro
……………………para sua anual visita.
Toda a terra retiniu ao abalo das brocas
…………nas entranhas de minha raça na
……………………jazida muscular
………………………………do
……………………homem negro.
Eis os numerosos séculos que
……………………duram a extração
……………………das maravilhas
……………………desta raça.
Ó tálamos metálicos do meu povo
minério inesgotável do rocio humano
quantos piratas exploraram suas armas
as profundezas obscuras de tua carne
quantos flibusteiros abriram caminhos
pela rica vegetação
……………………de clarezas de teu corpo
espalhando teus anos de troncos mortos
………………………………e poças de pranto
Povo despojado povo todo assim revirado
……………………como a terra
………………………………lavorada
povo devastado para o enriquecimento das grandes feiras
……………………………………………………do mundo
Amadureces teu grisu no segredo de tua noite corporal
…………ninguém mais ousará lançar canhões
…………e moedas de ouro no negro metal de tua cólera em cheia!
(Minerai Noir, 1952)
(Ilustração: Johann Moritz Rugendas: Jogar Capoeira ou Danse de Guerre)
quarta-feira, 23 de abril de 2025
DISCURSO FINAL DE “O GRANDE DITADOR”, de Charles Chaplin
domingo, 20 de abril de 2025
O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO, de Vinícius de Moraes
E o Diabo, levando-o a um alto monte,
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.
Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.
Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.
(Ilustração: Edvard Munch - Workers Returning Home, 1913-1915)
quinta-feira, 17 de abril de 2025
COMO NASCEU O CAJÓN COMO INSTRUMENTO MUSICAL, de Mario Vargas Llosa
sexta-feira, 11 de abril de 2025
AN EINEN VORGEBORENEN / ÀQUELE QUE NASCEU ANTES, de Max Czollek
in die städte kam ich zur stunde
der hochzeiten als da
freude herrschte
unter den menschen
ich tanzte mit ihnen
schlief unter den stummen
ohne sprache den mund voll
gestopft mit brücken
die kraft meiner arme
ging in koffern
trug ich die angst
II.
es ist wahr
ich tauchte im großen meer
verlor mein haar dabei
getragen von glück
als das aussetzte
war ich unterwegs
die hoffnung dünn wie ein blatt
im wald (ich rede von bäumen
rede ich)
und kann den weg nicht finden
zu den häusern aus luft
III.
wirklich ich lebe in zeiten
wo die unglücklichen nicht
mehr weinen wir einfach
weiterschreiben – überall
die finger am abzug wer
kann da noch freundlich
bleiben was hilft es wozu
sind wir geworden am ende
der eismeere
wohin die straßen führten
zu meiner zeit
Tradução de Ricardo Domeneck:
I.
cheguei às cidades à hora
das bodas quando
ali a alegria imperava
entre os homens
eu dancei com eles
dormi entre os mudos
sem língua a boca cheia
entupida de pontes
a força dos meus braços
foi-se em malas
carreguei o medo
II.
é verdade
mergulhei no mar cheio
perdi nisso os cabelos
carregado pela sorte
quando isso falhou
eu estava de partida
a esperança magra feito folha
na mata (eu falo de árvores
eu falo)
e não encontro o caminho
para as casas de ar
III.
de verdade vivo em tempos
em que os infelizes nem
choram mais nós somente
escrevemos adiante – por todo
lado os dedos em gatilhos quem
pode seguir simpático de que
adianta por que nos tornamos
ao fim do oceano ártico
aonde levavam as ruas
para o meu tempo
(Nota do blogger: o autor faz referência ao poema de Brecht, “Aos que vierem depois de nós”, ou é uma resposta a ele. Leia Brecht neste mesmo blog, em várias traduções:
https://trapichedosoutros.blogspot.com/search/label/Brecht%20-%20An%20Die%20Nachgeborenen%20%2F%20Aos%20que%20vir%C3%A3o%20depois%20de%20n%C3%B3s%2F%20Aos%20que%20v%C3%A3o%20nascer)
(Ilustração: Hannah Höch)
terça-feira, 8 de abril de 2025
DO VALE DA MORTE, de Olga Tokarczuk
sábado, 5 de abril de 2025
SONETO ERÓTICO, de anônimo do Século de Ouro espanhol
- ¿Qué me quiere, señor ? - Niña, hoderte.
- Dígalo más rodado. - Cabalgarte.
- Dígalo a lo cortés. - Quiero gozarte.
- Dígamelo a lo bobo. - Merecerte.
- ¡Mal haya quien lo pide de esa suerte,
y tú hayas bien, que sabes declararte!
y luego ¿qué harás ? - Arremangarte,
y con la pija arrecha acometerte.
- Tú sí que gozarás mi paraíso.
- ¿Qué paraíso ? Yo tu coño quiero,
para meterle dentro mi carajo.
- ¡Qué rodado lo dices y qué liso!
- Calla, mi vida, calla, que me muero
por culear tiniéndote debajo.
Tradução de José Paulo Paes:
— Que quer de mim, senhor? — Filha, foder-te.
— Diga com mais rodeios. — Cavalgar-te.
— Diga ao modo cortês. — Então, gozar-te.
— Diga ao modo pateta. — Merecer-te.
— Bem hajas que consigo compreender-te
e mal haja quem peça de tal arte.
Depois, o que farás? — Arregaçar-te
e com a pica alçada acometer-te.
— Tu sim hás de gozar meu paraíso.
— Que paraíso? Eu quero é minha porra
metida bem no fundo do teu racho.
— Com que rodeio o dizes, tão precioso!
— Caluda, amor, que de prazer já morra,
fodendo-te, eu por cima, tu por baixo.
Tradução de Silvério Duque:
– De mim, o que quer, Senhor? – Moça, foder-te.
– Diga-o com mais rodeios. – Cavalgar-te.
– Diga, ao modo cortês. – Quero gozar-te.
– Diga-mo feito um bobo. – Merecer-te.
– De certo, muito fiz por receber-te,
e fi-lo bem, pois sabes declarar-te!
– E logo, o que farás? – Arregaçar-te,
e, com minha pica em riste, vou comer-te.
– Tu gozarás, enfim, em meu paraíso…
– Que paraíso? Eu quero é o teu rabo
e nele enfiar inteiro o meu caralho.
– Diga-mo, então, de um modo mais preciso!
– Cala, minha vida, cala, que eu me acabo,
tilintando em teu cu com o meu vergalho.
(Ilustração: Agostino Carracci - Bachus et Ariane)