quinta-feira, 6 de março de 2025

MON HUMBLE AMI / MEU HUMILDE AMIGO, de Francis Jammes





Mon humble ami, mon chien fidèle, tu es mort

de cette mort que tu fuyais comme une guêpe

lorsque tu te cachais sous la table. Ta tête

s’est dirigée vers moi à l’heure brève et morne.



Ô compagnon banal de l’homme: être béni!

toi que nourrit la faim que ton maître partage,

toi qui accompagnas dans leur pèlerinage

l’archange Raphaël et le jeune Tobie...



Ô serviteur: que tu me sois d’un grand exemple,

ô toi qui m’as aimé ainsi qu’un saint son Dieu!

Le mystère de ton obscure intelligence

vit dans un paradis innocent et joyeux.



Ah! faites, mon Dieu, si Vous me donnez la grâce

de Vous voir face à face aux jours d’Éternité,

faites qu’un pauvre chien contemple face à face

celui qui fut son dieu parmi l’humanité.





Tradução de Manuel Bandeira :



Meu cão fiel, humilde amigo, sucumbiste

Sob a mesa, fugindo à morte como à vespa

Tu fugias em vida. Ali tua cabeça

Voltaste para mim no passo breve e triste.



Companheiro banal do homem, tu que em teus dias

No que falta ao teu dono achas o que te baste,

Ó ser bendito que a jornada acompanhaste

Do arcanjo Rafael e do jovem Tobias...



Tal como um santo ama ao seu Deus, num grande exemplo

Amaste-me também, ó servo verdadeiro!

O mistério de tua obscura inteligência

Vive num paraíso inocente e fagueiro.



Ah se de vós, meu Deus, a graça eu alcançasse

De face a face vos olhar na eternidade,

Fazei que um pobre cão contemple face a face

Quem para ele foi um deus na humanidade.



(L’Église Habillée de Feuilles / A Igreja Coberta de Folhas: 1906 ; Poemas Traduzidos, 1956)



(Ilustração: Antonio Rotta - un uomo ed il suo cane)

segunda-feira, 3 de março de 2025

IGREJAS NEOPENTECOSTAIS AMEAÇAM DEMOCRACIA NA AMÉRICA LATINA, de José Ospina-Valencia






A luta das igrejas neopentecostais na América Latina é uma luta pelos pobres: por sua consciência, por suas carteiras e por seus votos. Seu êxito se deve também ao fracasso da Igreja católica em atender às necessidades de milhões que buscam apoio num mundo cada vez mais frustrante e sem aparente futuro. E a história de abusos sexuais do dogma católico deixou, além disso, um rastro de repúdio em vários países e contribuiu para a erosão de um poder passado.

Assim, os mais necessitados são recrutados por pastores protestantes que se autodenominam "cristãos" e que, com frequência, têm mais espírito comercial que religioso.

Apesar de o movimento pentecostal ter sido criado em 1906 nos Estados Unidos, são as novas seitas e igrejas fundadas na mesma América Latina as responsáveis pelo auge que ameaça não somente a supremacia da Igreja católica como os princípios democráticos.

Um movimento que parece germinar especialmente no Brasil, na Colômbia, no México, no Peru, na República Dominicana e na Venezuela. No Brasil, haveria 42,3 milhões de fiéis, equivalentes a 22,2% da população. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cada ano abrem no país 14 mil novas igrejas neopentecostais.

Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, considerado pela revista Forbes "o pastor mais rico do Brasil", é proprietário da Record, a segunda rede de televisão mais importante do país. Seu tema favorito: a moral.

O caso da Costa Rica é exemplar: bastou que o pastor e cantor Fabricio Alvarado, candidato à presidência, rechaçasse vociferante o chamado da Corte Interamericana de Direitos Humanos para respeitar os direitos da comunidade LGBTI para que ganhasse o primeiro turno da eleição.

Na Venezuela, por seu lado, milhões não viram outra saída senão refugiar-se em igrejas com nomes como "Pare de sofrer". Já a Guatemala é governada por um humorista e pastor evangélico, Jimmy Morales, que é contra o aborto, recusa o casamento homoafetivo e tem mais receitas contra as minorias do que soluções para a corrupção galopante.

Por todo o continente, há também "casos de superação" de pastores que saíram da pobreza abrindo uma igreja em garagens e que rapidamente se transformam num "exemplo de êxito" com estrambóticos templos e um poder econômico e político inusitados.

O caso de María Piraquive, que deixou de ser costureira num bairro operário de Bogotá, e que com sua Igreja de Deus Ministerial de Jesus Cristo Internacional (Idmji) construiu, desde 1972, um império multimilionário com propriedades em vários países, e a criação de um partido político, são símbolos desse ímpeto. Hoje, a igreja de Piraquive tem cerca de mil sedes em mais de 50 países e até representações em sete Estados federados da Alemanha.

É assustador é que muitos desses pastores tenham tanto êxito com ideias excludentes e um discurso de ódio. Em suas pregações, Piraquive descarta que pessoas com deficiência física possam assumir a veiculação da "palavra de Deus". Uma postura discriminatória em todos os países latino-americanos, que, pelas suas Constituições, se definem como pluralistas e laicos, fundados sobre o respeito e a dignidade humana, e garantidores da liberdade de expressão e de culto.

Paradoxalmente, apesar de essas sociedades terem avançado cultural e economicamente, também graças ao princípio liberal e protestante de que "os pensamentos são livres", o movimento neopentecostal ataca o Estado de opinião. O radicalismo de suas ideias contra as conquistas dessas sociedades abertas, como a abolição da pena de morte, a autodeterminação da mulher e o respeito aos direitos das minorias é difamado como uma suposta "ideologia de gênero" que pretende destruir a família e a moral.

Seus votos fizeram pesar a balança para o lado da recusa do acordo de paz na Colômbia em 2016. Acabar com uma guerra fratricida para salvar vidas pareceu pesar menos que o princípio de retaliação "olho por olho, dente por dente".

E, enquanto as escolas e universidades na América Latina têm de pagar impostos prediais, as igrejas estão isentas de qualquer contribuição, pelo menos na Colômbia, onde até 2017 havia 750 colégios públicos – contra 3.500 igrejas neopentecostais. A recepção diária de dízimos forma a base do poder econômico, convertido em poder político, que, graças a uma agenda moralizadora, está conquistando a política na América Latina.

O teólogo alemão e pastor luterano Thomas Gandow adverte que muitos pregadores neopentecostais atentam contra o espírito do mesmo protestantismo que defendem, que não pode ser expressado com fanatismo, "porque o espírito do protesto não pode ser outro senão o da liberdade". O resto é retrocesso.



(Tradução de Letácio Jansen; 2018)



(Ilustração: sentado em um trono de fogo, Satanás devora uma alma danada, detalhe de mosaicos do século XIII que adornam o Batistério de Florença, Itália)