tag:blogger.com,1999:blog-21782914226982224792024-03-17T20:04:14.702-07:00TRAPICHE DOS OUTROSTextos, apenas textos, literários e poéticos, históricos e filosóficos, dramáticos e humorísticos; narrativos, descritivos ou dissertativos; de autores de todos os cantos do mundo...Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.comBlogger1946125tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-60951496421754933042024-03-17T08:05:00.000-07:002024-03-17T08:09:44.326-07:00A CHEGADA DE VIRGÍLO A BRINDÍSIO, de Herman Broch<div style="text-align: center;"><b><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLAmG39Do1MAG1OVRPjuPfzWYd0ARrPMwSn16KxCmPGlvF2p8pg8GEGGkZZFFG5tQQPlWzfZgBddr40XSTyZV2YRLyn_BWXQVljaVUh5bXZTLro7In-X6y_YNMfsL-yeAYvWjOj5PTFw-MVcbAjLbkGvv5zGJpWcSRVmN2bjPwAkVkteQAmcHIIKqt15g/s1000/xfig%20Mosaico%20an%C3%B4nimo%20da%20%C3%81frica%20Proconsular%20-%20Virg%C3%ADlio%20entre%20duas%20musas,%20in%C3%ADcio%20do%20s%C3%A9culo%20III%20dC.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="970" data-original-width="1000" height="310" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLAmG39Do1MAG1OVRPjuPfzWYd0ARrPMwSn16KxCmPGlvF2p8pg8GEGGkZZFFG5tQQPlWzfZgBddr40XSTyZV2YRLyn_BWXQVljaVUh5bXZTLro7In-X6y_YNMfsL-yeAYvWjOj5PTFw-MVcbAjLbkGvv5zGJpWcSRVmN2bjPwAkVkteQAmcHIIKqt15g/s320/xfig%20Mosaico%20an%C3%B4nimo%20da%20%C3%81frica%20Proconsular%20-%20Virg%C3%ADlio%20entre%20duas%20musas,%20in%C3%ADcio%20do%20s%C3%A9culo%20III%20dC.jpg" width="320" /></a></div><br /><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Azuladas, leves, movidas por uma branda, quase imperceptível brisa contrária, as ondas do Adriático haviam fluído ao encontro da armada imperial, quando esta, à esquerda das baixas colinas da costa calabresa, que aos poucos se avizinhavam, dirigia-se ao porto de Brindísio, e neste momento em que a solidão do mar, ensolarada e todavia prenunciadora de morte, convertia-se na plácida alegria de atividades humanas, neste momento em que as águas suavemente abrilhantadas pela proximidade de existências e moradas dos homens povoavam-se de navios de toda espécie, alguns que, tal e qual a frota, buscavam o porto e outros que dele acabavam de sair, neste momento em que os barcos pescadores de velas pardas já abandonavam em toda a parte os protetores molhezinhos de um sem-número de aldeias e lugarejos, ao longo da beira irrigada de branca espuma, a fim de se encaminharem ao apanho noturno, o mar tornara-se liso, quase como um espelho. Acima dele abria-se, madreperolada, a concha do céu. Anoitecia, e notava-se o cheiro dos fogos de lenha das lareiras, cada vez que os sons da vida, marteladas ou um grito, chegavam dali, trazidos pela aragem.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Das sete naus acasteladas, que se seguiam em linha desenvolvida, somente a primeira e a última, ambas delgadas Penteras providas de esporões, faziam parte da frota de guerra. As cinco outras, mais lerdas e mais imponentes, com dez ou doze fileiras de remos, ostentavam o suntuoso feitio que correspondia ao estilo da corte do Augusto. Na do meio que era a mais pomposa, com o esplendor dourado da proa blindada de bronze, com o brilho jalde das cabeças de leões aplicadas sob a amurada, e que nas fauces carregavam argolas, e com as flâmulas coloridas da enxárcia, erguia-se, solene e grandiosa, abaixo das velas purpúreas, a barraca do César.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Porém, na nave que a seguia imediatamente, encontrava-se o autor da Eneida e o signo da Morte achava-se traçado em sua fronte.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Vítima de enjoos, mantido em contínua tensão pela constante iminência deles, não ousara mexer-se o dia inteiro; mas, embora preso ao leito que haviam montado para ele no centro do convés, o poeta sentia a si mesmo ou melhor a seu corpo, a sua vida corpórea, que havia muitos anos mal e mal conseguira reconhecer como sua própria, sentia-os como uma única reminiscência tateante, evocadora da relaxação que subitamente o percorrera, quando tinham alcançado a zona costeira, mais calmosa, e esse cansaço fluente, sereno e. serenizante talvez se tivesse convertido numa felicidade virtualmente completa, não houvessem aparecido mais uma vez, apesar do efeito saudável dos revigorantes ares marinhos, a tosse penosa, a prostração causada pela febre de todas as noites, e a angústia que sempre o acossava ao entardecer. Assim jazia ele ali, ele, o autor da Eneida, ele, Públio Virgílio Marão, jazia ali num estado de diminuída consciência, quase que envergonhado do seu desamparo, quase que furioso em face de tal destino, cravando os olhos na redondez madreperolada da redoma celeste. Por que, por que cedera à insistência do Augusto? Por que, por que saíra de Atenas? Com isso, extinguira-se a esperança de que o céu plácido, sagrado de Homero pudesse secundar e favorecer a conclusão da Eneida; extinguira-se qualquer esperança na imensidão de coisas novas, que em seguida deveriam ter começado, a esperança numa vida distanciada das Artes, liberta da Poesia, entregue à Filosofia e à Ciência; na cidade de Platão; extinguira-se a esperança no milagre do conhecimento e na cura pelo conhecimento. Por que renunciara a isso? Espontaneamente? Não! Houvera algo como uma ordem das irresistíveis forças da vida, daquelas forças imperiosas do destino, que jamais desaparecem totalmente, ainda que temporariamente submerjam em esferas subterrâneas, invisíveis, insondáveis, continuando mesmo assim presentes, intatas, como uma ameaça inescrutável de poderes aos quais jamais logramos subtrair-nos e sempre devemos render-nos; era o destino. O poeta deixara impelir-se pelo destino, e o destino impelia-o em direção ao fim. Não fora este sempre o seu modo de viver? Vivera ele diferentemente em qualquer época? A madreperolada redoma do céu, o mar primaveril, o canto dos montes, e aquilo que dolorosamente cantava em seu próprio peito, o som da flauta do deus — será que isso em algum instante significara para ele outra coisa que não uma ocorrência, que, igual a um receptáculo das esferas, em breve o acolheria, para levá-lo ao infinito? De origem, ele era camponês, um homem que adora a paz da existência terrena, ao qual teria sido adequada uma vida singela, sólida, na coletividade rural, e que todavia, em virtude de uma sina superior, não pôde permanecer em sua terra, que jamais o largou. Tal sina enxotara-o, para fora daquela coletividade, adentro da mais nua, da mais maligna, da mais selvagem solidão do formigueiro humano; expulsando-o do ambiente simples das suas origens, empurrara-o ao longe, rumo a uma sempre crescente multiplicidade, e se assim algo se ampliara ou aumentara, apenas se tratava da distância que o separava da vida verdadeira, pois, na verdade, unicamente a lonjura tornara-se maior. Ele caminhara apenas à beira de seus campos, vivera tão-somente à beira da sua vida; transformara-se num ser irrequieto, fugindo da morte, buscando a morte, buscando a obra, fugindo da obra, amoroso e todavia acossado, errante através das paixões íntimas e externas, só temporariamente alojado em sua vida. E hoje, quase ao fim de suas forças, ao fim de sua fuga, ao fim de suas buscas, após ter terminado a luta e se ter aprontado para a despedida, após ter alcançado a prontidão por meio da luta, quando estava prestes a aceitar a derradeira solidão e a iniciar o retorno íntimo que o conduzisse a ela, o destino com seus poderes mais uma vez se apossara dele; mais uma vez lhe vedara a singeleza e as origens: e o imo; novamente afastara dele o regresso; encurvando o caminho, convertera-o no da multiplicidade externa; forçara-o a voltar ao mal que lhe ensombreara toda a vida. Sim, parecia que o destino lhe deixava apenas uma única solução simples, a simplicidade da morte. Acima do poeta, as vergas rangiam no cordame. Entrementes ouviam-se abafados estrondos vindos das velas. Ele escutava o roçar das escumas da esteira e o jato prateado, que se punha a jorrar, cada vez que se levantavam os remos; escutava como estes guinchavam pesadamente nos toletes. Sentia como o navio dava saltos suaves, regulares ao compasso das centenas de remos. Via como a orla marítima agaloada de branco deslizava a seu lado, e pensava nos corpos de escravos silenciosos, acorrentados nos fundos fedorentos, sufocantes, do casco atroador. No mesmo compasso espasmódico, surdos estrugidos, acompanhados de golfadas argênteas, ressoavam dos dois navios vizinhos, do mais próximo e do que o seguia, semelhantes a um eco, que repercutia em todos os mares e ao qual vinham respostas de todos os mares. Pois, em toda a parte, as embarcações avançavam desta maneira, carregadas de homens, carregadas de armas, carregadas de trigo e outros cereais, carregadas de mármore, azeite, vinho e especiarias, carregadas de seda, carregadas de escravos. Em todo o mundo, havia a navegação, a permutar e comerciar, um dos piores vícios entre os muitos que assolam a terra.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(<u>A morte de Virgílio</u>; tradução de Herbert Caro)</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div> <div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração: Mosaico anônimo da África Proconsular - Virgílio entre duas musas, início do século III dC)</span></div>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-69342922733935743642024-03-14T06:35:00.000-07:002024-03-14T06:35:55.594-07:00QUID FACIAT LAETAS SEGETES / O QUE DÁ VIÇO ÀS SEARAS ALEGRES (DAS GEÓRGICAS - ÉCLOGA I), de Virgílio<p style="text-align: center;"> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEid1HfADthlPfrCJZf6evJ5ewasIJWybeIxljBAoduzoa01YjD1eu3YqTUP0b6C5rjTmtUGoCczmX2rhNiCaI3daMjoeWGdiiQG7f1jeeMiG7Hrz1TXk5zasFfUnMmCLDGJw6TPJmYRzdqaXd7kmdzMG2ocwRWadSDJU3ZkQRk1wbpcosNn8W6bIxXkwL4/s1819/xfig%20autor%20desconhecido%20-%20ilustra%C3%A7%C3%A3o%20do%20s%C3%A9culo%20XV%20para%20as%20%C3%A9coglas%20de%20Virg%C3%ADlio.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1819" data-original-width="1440" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEid1HfADthlPfrCJZf6evJ5ewasIJWybeIxljBAoduzoa01YjD1eu3YqTUP0b6C5rjTmtUGoCczmX2rhNiCaI3daMjoeWGdiiQG7f1jeeMiG7Hrz1TXk5zasFfUnMmCLDGJw6TPJmYRzdqaXd7kmdzMG2ocwRWadSDJU3ZkQRk1wbpcosNn8W6bIxXkwL4/s320/xfig%20autor%20desconhecido%20-%20ilustra%C3%A7%C3%A3o%20do%20s%C3%A9culo%20XV%20para%20as%20%C3%A9coglas%20de%20Virg%C3%ADlio.jpg" width="253" /></a></div><br /><p></p>
<span style="font-family: georgia;"><br /><br /><b>Quid faciat laetas segetes, quo sidere terram </b><br /><br /><b>uertere, Maecenas, ulmisque adiungere uites </b><br /><br /><b>conueniat, quae cura boum, qui cultus habendo </b><br /><br /><b>sit pecori, apibus quanta experientia parcis, </b><br /><br /><b>hinc canere incipiam. uos, o clarissima mundi 5 </b><br /><br /><b>lumina, labentem caelo quae ducitis annum; </b><br /><br /><b>Liber et alma Ceres, uestro si munere tellus </b><br /><br /><b>Chaoniam pingui glandem mutauit arista </b><br /><br /><b>poculaque inuentis Acheloia miscuit uuis; </b><br /><br /><b>et uos, agrestum praesentia numina, Fauni, 10 </b><br /><br /><b>ferte simul Faunique pedem Dryadesque puellae: </b><br /><br /><b>munera uestra cano; tuque o, cui prima frementem </b><br /><br /><b>fudit equum magno tellus percussa tridenti, </b><br /><br /><b>Neptune; et cultor nemorum, cui pinguia Ceae </b><br /><br /><b>ter centum niuei tondent dumeta iuuenci; 15 </b><br /><br /><b>ipse nemus linquens patrium saltusque Lycaei </b><br /><br /><b>Pan, ouium custos, tua si tibi Maenala curae, </b><br /><br /><b>adsis, o Tegeaee, fauens, oleaeque Minerua </b><br /><br /><b>inuentrix, uncique puer monstrator aratri, </b><br /><br /><b>et teneram ab radice ferens, Siluane, cupressum: 20 </b><br /><br /><b>dique deaeque omnes, studium quibus arua tueri </b><br /><br /><b>quique nouas alitis non ullo semine fruges </b><br /><br /><b>quique satis largum caelo demittitis imbrem. </b><br /><br /><b>tuque adeo, quem mox quae sint habitura deorum </b><br /><br /><b>concilia incertum est, urbisne inuisere, Caesar, 25 </b><br /><br /><b>terrarumque uelis curam, et te maximus orbis </b><br /><br /><b>auctorem frugum tempestatumque potentem </b><br /><br /><b>accipiat cingens materna tempora myrto; </b><br /><br /><b>an deus immensi uenias maris ac tua nautae </b><br /><br /><b>numina sola colant, tibi seruiat ultima Thule, 30 </b><br /><br /><b>teque sibi generum Tethys emat omnibus undis; </b><br /><br /><b>anne nouum tardis sidus te mensibus addas, </b><br /><br /><b>qua locus Erigonen inter Chelasque sequentis </b><br /><br /><b>panditur: ipse tibi iam bracchia contrahit ardens </b><br /><br /><b>Scorpios et caeli iusta plus parte reliquit; 35 </b><br /><br /><b>quidquid eris (nam te nec sperant Tartara regem, </b><br /><br /><b>nec tibi regnandi ueniat tam dira cupido, </b><br /><br /><b>quamuis Elysios miretur Graecia campos </b><br /><br /><b>nec repetita sequi curet Proserpina matrem), </b><br /><br /><b>da facilem cursum atque audacibus adnue coeptis 40 </b><br /><br /><b>ignarosque uiae mecum miseratus agrestis </b><br /><br /><b>ingredere et uotis iam nunc adsuesce uocari. </b><br /><br /><b>Vere nouo, gelidus canis cum montibus umor </b><br /><br /><b>liquitur et Zephyro putris se glaeba resoluit, </b><br /><br /><b>depresso incipiat iam tum mihi taurus aratro 45 </b><br /><br /><b>ingemere et sulco attritus splendescere uomer. </b><br /><br /><b>illa seges demum uotis respondet auari </b><br /><br /><b>agricolae, bis quae solem, bis frigora sensit; </b><br /><br /><b>illius immensae ruperunt horrea messes. </b><br /><br /><b>ac prius ignotum ferro quam scindimus aequor, 50 </b><br /><br /><b>uentos et uarium caeli praediscere morem </b><br /><br /><b>cura sit ac patrios cultusque habitusque locorum, </b><br /><br /><b>et quid quaeque ferat regio et quid quaeque recuset. </b><br /><br /><b>hic segetes, illic ueniunt felicius uuae, </b><br /><br /><b>arborei fetus alibi atque iniussa uirescunt 55 </b><br /><br /><b>gramina. nonne uides croceos ut Tmolus odores, </b><br /><br /><b>India mittit ebur, molles sua tura Sabaei, </b><br /><br /><b>at Chalybes nudi ferrum uirosaque Pontus </b><br /><br /><b>castorea, Eliadum palmas Epiros equarum? </b><br /><br /><b>continuo has leges aeternaque foedera certis 60 </b><br /><br /><b>imposuit natura locis, quo tempore primum </b><br /><br /><b>Deucalion uacuum lapides iactauit in orbem, </b><br /><br /><b>unde homines nati, durum genus. ergo age, terrae </b><br /><br /><b>pingue solum primis extemplo a mensibus anni </b><br /><br /><b>fortes inuertant tauri, glaebasque iacentis 65 </b><br /><br /><b>puluerulenta coquat maturis solibus aestas; </b><br /><br /><b>at si non fuerit tellus fecunda, sub ipsum </b><br /><br /><b>Arcturum tenui sat erit suspendere sulco: </b><br /><br /><b>illic, officiant laetis ne frugibus herbae, </b><br /><br /><b>hic, sterilem exiguus ne deserat umor harenam. 70 </b><br /><br /> <br /><br /><u>Tradução de Arthur Rodrigues Santos: <br /></u><br /> <br /><br /><b>O que dá viço às searas alegres, sob qual astro </b><br /><br /><b>deve-se a terra, Mecenas, volver e casar as videiras </b><br /><br /><b>com os olmeiros, quais cuidados ao boi e ao rebanho </b><br /><br /><b>são dispensados, quanta perícia às parcas abelhas: </b><br /><br /><b>eis o que agora celebro. Vós, ó luzeiros brilhantes 5 </b><br /><br /><b>deste mundo, guiando no céu o ano que escoa; </b><br /><br /><b>Líber e Ceres nutriz, a terra, com a vossa anuência, </b><br /><br /><b>pôde trocar Caônias bolotas por trigo graúdo </b><br /><br /><b>e misturar o copo Aqueloio às uvas achadas; </b><br /><br /><b>vós também, propícios aos lavradores, ó Faunos, 10 </b><br /><br /><b>vinde dançando, Faunos, ao lado das Dríades ninfas: </b><br /><br /><b>vossos dons eu celebro; e tu, que a terra fendeste </b><br /><br /><b>com teu tridente, donde surgiu o fogoso cavalo, </b><br /><br /><b>ó deus Netuno; e tu boscarejo, a quem uns trezentos </b><br /><br /><b>níveos vitelos pastam de Cea fecunda os arbustos; 15 </b><br /><br /><b>tu, que abandonas o bosque natal e as Liceias clareiras, </b><br /><br /><b>Pã, guardião das ovelhas, se o Mênalo inda te agrada, </b><br /><br /><b>vem até mim, ó Tegeu, me apoia; e Minerva, dadora </b><br /><br /><b>das oliveiras, e o jovem inventor do arado recurvo, </b><br /><br /><b>tu também, ó Silvano, trazendo extirpado cipreste: 20 </b><br /><br /><b>todos, deuses e deusas, vós que zelais pelos campos, </b><br /><br /><b>ora nutrindo os novos rebentos não semeados, </b><br /><br /><b>ora enviando do céu a forte chuva às sementes. </b><br /><br /><b>E, finalmente, tu, de quem não sabemos qual posto </b><br /><br /><b>vais ocupar entre os deuses: se queres, César, o zelo 25 </b><br /><br /><b>pelas cidades e campos, e o vasto universo te acolha </b><br /><br /><b>como o pai dos frutos e das estações o regente, </b><br /><br /><b>já coroando a tua fronte com murta de Vênus materna; </b><br /><br /><b>ou te tornes o deus do imenso mar e os marujos </b><br /><br /><b>só o teu nume cultuem e a extrema Tule te sirva, 30 </b><br /><br /><b>Tétis te quer como genro a preço de todas as ondas; </b><br /><br /><b>ou, novo astro, te somes aos meses mais vagarosos, </b><br /><br /><b>onde um espaço entre Erígone e as Quelas vizinhas </b><br /><br /><b>ora se abre: vê, já contrai suas garras o ardente </b><br /><br /><b>Escorpião e deixou-te no céu uma parte folgada; 35 </b><br /><br /><b>Seja quem fores (não és esperado no mundo Tartáreo </b><br /><br /><b>nem te acometa o terrível desejo deste reinado, </b><br /><br /><b>mesmo que a Grécia tanto admire os Campos Elíseos </b><br /><br /><b>e Proserpina se furte a voltar com a mãe para cima), </b><br /><br /><b>fácil percurso me dá, consente o propósito ousado 40 </b><br /><br /><b>e, compassivo comigo dos lavradores sem rumo, </b><br /><br /><b>vem até mim e já te acostuma a ouvir nossas preces. </b><br /><br /><b>A primavera revém, dos cândidos montes escorre </b><br /><br /><b>frio regato e o Zéfiro quebra o torrão ao seu sopro: </b><br /><br /><b>já me comece o touro a gemer no arado tanchado 45 </b><br /><br /><b>e recupere seu brilho a relha atrita com sulcos. </b><br /><br /><b>Só corresponde aos votos do lavrador ansioso </b><br /><br /><b>campo que duas vezes sentiu o sol e a friagem; </b><br /><br /><b>sua imensa colheita acabou de romper os celeiros. </b><br /><br /><b>Antes, porém, de cortarmos com ferro um solo ignoto, 50 </b><br /><br /><b>cumpre primeiro estudar o vento e o clima mutável, </b><br /><br /><b>a qualidade das terras e a prática antiga legada, </b><br /><br /><b>o que produz um lugar e também o que ele nos nega. </b><br /><br /><b>Trigo vai bem por aqui, por ali, as uvas vigoram, </b><br /><br /><b>mais além enverdecem o novo arvoredo e a selvagem 55 </b><br /><br /><b>erva. Não vês que o Tmolo exporta açafrão perfumado, </b><br /><br /><b>Índia marfim, os Sabeus delicados seu típico incenso, </b><br /><br /><b>ferro das minas os Cálibes nus, o Ponto castóreo </b><br /><br /><b>nauseabundo e o Epiro vitórias das éguas em Élis? </b><br /><br /><b>A natureza impôs essas leis e contratos eternos 60 </b><br /><br /><b>para lugares determinados assim que no mundo, </b><br /><br /><b>antes vazio, Deucalião lançou as suas pedras, </b><br /><br /><b>delas os homens nasceram, dura progênie. Ao trabalho! </b><br /><br /><b>Já no começo do ano, revolvam o gordo terreno </b><br /><br /><b>touros fortes, dessa forma as leivas expostas 65 </b><br /><br /><b>sejam cozidas ao sol maturado do estio pulvéreo; </b><br /><br /><b>mas, sendo a terra pouco fecunda, basta somente </b><br /><br /><b>leve amanho de sulco no despontar do Arcturo: </b><br /><br /><b>lá, as ervas daninhas não tolhem messes alegres, </b><br /><br /><b>cá, não deserta a pouca umidade do seco terreno. 70 </b><br /><br /> <br /><br /><br />(Ilustração: autor desconhecido - ilustração do século XV para as éclogas de Virgílio)</span>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-87841045186693388542024-03-11T07:58:00.000-07:002024-03-11T07:58:45.812-07:00PABLITO CLAVÓ UN CLAVITO: UMA EVOCAÇÃO DO BAIXINHO ORELHUDO, de Mariana Enriquez<p style="text-align: center;"> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiuf9a-DqNG7jQNR2DVl-32PxQHqwAQT8ffqRWt_khAH-rEa7ub-s9p19d7nj7HusO8XFnlp8svuJJFtkAxYA40nJVoZyepEru1epMJLqp9Hr2Kbs4zAdWVvXewqL7OO_T4eewbCDyvvxYNRJssJ5TXqzBLsjq4OltyVyEZGGsPAvPjbICprqOJ5A-vQz4/s600/xfig%20Eric%20Lacombe%20-%20dark%20abstract%20portraits%20-%20-05.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="600" data-original-width="600" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiuf9a-DqNG7jQNR2DVl-32PxQHqwAQT8ffqRWt_khAH-rEa7ub-s9p19d7nj7HusO8XFnlp8svuJJFtkAxYA40nJVoZyepEru1epMJLqp9Hr2Kbs4zAdWVvXewqL7OO_T4eewbCDyvvxYNRJssJ5TXqzBLsjq4OltyVyEZGGsPAvPjbICprqOJ5A-vQz4/s320/xfig%20Eric%20Lacombe%20-%20dark%20abstract%20portraits%20-%20-05.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p>
<div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">A primeira vez que ele apareceu foi na excursão das nove e meia da noite, a que se fazia de ônibus. Foi durante uma pausa do relato, enquanto percorriam o trecho que ia do restaurante que havia sido de Emilia Basil, esquartejadora, até o edifício onde morava Yiya Murano, envenenadora. De todos os tours por Buenos Aires que a empresa para a qual trabalhava oferecia, o de crimes e criminosos era o de maior sucesso. Acontecia quatro vezes por semana: duas de ônibus e duas a pé, duas em inglês e duas em espanhol. Pablo soube que, quando o designou como guia do tour de crimes, a empresa estava lhe dando uma promoção, embora o salário fosse o mesmo (sabia que, cedo ou tarde, se fizesse tudo direito, o valor também aumentaria). A mudança o alegrou muito: antes fazia o tour “Arquitetura Art Nouveau da Avenida de Mayo”, que era muito interessante, mas entediava depois de um tempo.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Tinha estudado em detalhes os dez crimes do circuito para poder narrá-los bem, com graça e suspense, e jamais tivera medo nem se impressionara. Por isso, em vez de terror, sentiu surpresa ao vê-lo. Era ele, sem dúvida, inconfundível. Os olhos grandes e úmidos que pareciam cheios de ternura, mas, na realidade, eram um poço escuro de idiotia. O colete escuro e a estatura baixa, os ombros mirrados e, nas mãos, aquela corda fina — a piola, como a chamavam então — com a qual havia mostrado à polícia, sem expressar emoção alguma, como tinha amarrado e asfixiado suas vítimas. E as orelhas enormes, pontiagudas e simpáticas de Cayetano Santos Godino, o Baixinho Orelhudo, o criminoso mais célebre do passeio, talvez o mais famoso da crônica policial argentina. Um assassino de crianças e de animais pequenos. Um assassino que não sabia ler nem fazer contas, que não distinguia os dias da semana e que guardava debaixo da cama uma caixa cheia de pássaros mortos.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Mas era impossível que estivesse ali, onde Pablo o via. O Baixinho Orelhudo tinha morrido em 1944, no antigo presídio de Ushuaia, na Terra do Fogo, no fim do mundo. O que poderia estar fazendo ali, na primavera de 2014, como passageiro fantasma de um ônibus que percorria os cenários de seus assassinatos? Porque sem dúvida era ele, impossível confundi-lo, o aparecido era idêntico às numerosas fotos de época que haviam sido conservadas. Além disso, havia iluminação suficiente para vê-lo bem: o ônibus ia com as luzes acesas. Estava parado quase no final do corredor, fazendo a demonstração com sua cordinha, encarando a ele, o guia, Pablo, com certa indiferença, porém com clareza.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Fazia um tempo que Pablo tinha contado sua história. Vinha contando-a havia duas semanas, e gostava muito. O Baixinho Orelhudo tinha assombrado uma Buenos Aires tão longínqua e diferente que era difícil sugestionar-se com a sua figura. E, no entanto, algo devia tê-lo impressionado vivamente, porque o Baixinho havia se apresentado, embora ninguém mais o visse — os passageiros conversavam, animados, e passavam o olhar por ele, sem reparar. Pablo sacudiu a cabeça, fechou os olhos com força e, ao abri-los, a figura do assassino com sua cordinha tinha desaparecido. Será que estou ficando louco?, pensou, e apelou à psicologia barata para chegar à conclusão de que o Baixinho lhe aparecia porque ele acabava de ter um filho e as crianças eram as únicas vítimas de Godino. As crianças pequenas. Pablo contava na excursão de onde, segundo acreditavam os forenses da época, vinha essa sanha: o primeiro filho dos Godino, irmão mais velho do Baixinho, tinha morrido aos dez meses na Calábria, Itália, antes de a família emigrar para a Argentina. A lembrança desse bebê morto o obcecava: em muitos dos crimes — e das tentativas, bem mais numerosas —, ele repetia a cerimônia do enterro. Aos peritos que o interrogaram depois de ser apanhado, disse: “Ninguém volta da morte. Meu irmãozinho nunca voltou. Simplesmente apodrece embaixo da terra.”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Pablo relatava o primeiro simulacro de enterro numa das paradas do circuito: a esquina da rua Loria com a San Carlos, onde o Baixinho havia atacado Ana Neri, de dezoito meses, sua vizinha no cortiço da rua Liniers, que não existia mais, mas o terreno onde o prédio ficava era uma parada do percurso, com uma breve contextualização na qual se explicavam aos turistas as condições de vida daqueles imigrantes recém-chegados que escapavam da pobreza europeia amontoados em cortiços úmidos, sujos, ruidosos, promíscuos, sem ventilação. O ambiente ideal para os crimes do Baixinho, porque o desconforto e a desordem acabam por mandar as crianças para a rua: viver naqueles cômodos era tão insuportável que as pessoas ficavam na calçada, especialmente os filhos, que vadiavam por ali.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Ana Neri. O Baixinho a levou ao terreno baldio, golpeou-a com uma pedra e, após deixá-la inconsciente, tentou enterrá-la. Um policial o flagrou no meio da tarefa, e ele rapidamente inventou uma mentira: alegou estar tentando ajudar a garotinha, que tinha sido atacada por outra pessoa. O policial acreditou, talvez porque o Baixinho Orelhudo também fosse um menino: tinha, então, nove anos.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Ana demorou seis meses para se recuperar do ataque.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Não foi o único com simulacro de enterro: em setembro de 1908, pouco depois de deixar a escola — e de terem início seus aparentes ataques de epilepsia; nunca se comprovou em definitivo a que se deviam as convulsões que o Baixinho sofria —, Godino levou Severino González até um terreno baldio em frente ao colégio Sagrado Corazón. No terreno havia um pequeno curral para cavalos. O Baixinho submergiu o menino no tanque onde os animais bebiam água e tentou cobri-lo com uma tampa de madeira. Um simulacro mais sofisticado: a imitação do caixão de defunto. Outra vez um policial que passava impediu o crime e outra vez o Baixinho mentiu, dizendo que, na realidade, estava ajudando o menino. Mas, naquele mês, o Baixinho estava descontrolado. No dia 15 de setembro atacou um bebê de vinte meses, Julio Botte. Encontrou-o na porta de casa, na rua Colombres, 632. Queimou-lhe a pálpebra de um dos olhos com um cigarro que tinha na mão. Dois meses depois, os pais do Baixinho não suportaram mais sua presença nem suas ações, e eles mesmos o entregaram à polícia. Em dezembro, acabou na colônia penal de Marcos Paz para menores. Ali aprendeu a escrever um pouco, mas se destacou sobretudo por jogar gatos e botinas nos caldeirões fumegantes quando os cozinheiros se descuidavam. O Baixinho cumpriu três anos no reformatório de Marcos Paz. Saiu com mais vontade de matar do que nunca, e logo conseguiria o primeiro, e desejado, assassinato.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Pablo sempre terminava o capítulo do Baixinho com o interrogatório a que a polícia o submetera depois da detenção. Parecia impressionar muito os turistas. Lia-o, para que o efeito realista fosse maior. Na noite em que o Baixinho apareceu no ônibus, Pablo sentiu certo incômodo antes de repetir as palavras dele, mas decidiu dizê-las do mesmo jeito. O criminoso só o encarava e brincava com a corda: não o ameaçava.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— O senhor não sente remorso pelos feitos que cometeu?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Não entendo o que os senhores estão perguntando.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Não sabe o que é remorso?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Não, senhores.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— O senhor sente tristeza ou pena pela morte dos garotinhos Giordano, Laurora e Vainikoff?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Não, senhores.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Acha que tem o direito de matar crianças?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Não sou o único, outros também fazem isso.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Por que matava as crianças?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Porque gostava.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Esta última resposta provocava a reprovação coletiva dos passageiros, que em geral pareciam contentes quando Pablo trocava de criminoso e passava à mais compreensível Yiya Murano, que envenenou as melhores amigas porque lhe deviam dinheiro. Uma assassina por ambição. Fácil de entender. O Baixinho, ao contrário, incomodava a todos.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Naquela noite, quando chegou em casa, Pablo não contou à esposa que tinha visto o espectro do Baixinho. Também não contou aos colegas, mas isso era normal: não queria ter problemas no trabalho. Por outro lado, afligia-o não poder falar da aparição à esposa. Dois anos antes, teria contado. Dois anos antes, quando ainda podiam confessar um ao outro qualquer coisa sem medo, sem receio. Era uma das tantas coisas que tinham mudado desde o nascimento do bebê.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Chamava-se Joaquín: tinha seis meses, mas Pablo continuava dizendo “o bebê”. Amava-o — ou pelo menos era o que acreditava —, mas o filho não lhe dava muita atenção, ainda estava agarrado à mãe, e ela não ajudava, não ajudava nem um pouco. Tinha se transformado em outra pessoa. Temerosa, desconfiada, obsessiva. Às vezes, Pablo se perguntava se ela estaria sofrendo de depressão pós-parto. Outras vezes, ficava apenas de mau humor e recordava com nostalgia e um pouco — um muito — de irritação os anos anteriores ao bebê.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Agora, tudo era diferente. Ela não o escutava mais, por exemplo. Fingia ouvir, sorria e fazia que sim com a cabeça, mas estava pensando em comprar abóbora e cenoura para o bebê, ou se perguntando se a irritação que o bebê tinha na pele podia ter sido causada pela fralda descartável ou se por acaso se tratava de uma doença eruptiva. Nem o escutava nem queria fazer sexo, porque estava dolorida depois da episiotomia, que não terminava de cicatrizar, e, para completar, o bebê dormia na cama do casal: havia um quarto esperando por ele, mas ela não tinha coragem de deixá-lo dormir sozinho, tinha medo da “síndrome da morte súbita”. Pablo tivera que escutá-la falar dessa morte repentina durante horas enquanto tentava, em vão, acalmar a ansiedade dela, justo dela, que nunca tivera medo, que uma vez ou outra o acompanhara escalando montanhas e dormira em abrigos enquanto nevava do lado de fora. Ela, que tinha comido cogumelos com ele, um fim de semana inteiro de alucinação, aquela mesma mulher, agora chorava por uma morte que não havia chegado e possivelmente não chegaria nunca.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Pablo não lembrava por que ter um filho tinha parecido uma boa ideia. Ela não falava de outra coisa. Acabaram as conversas sobre os vizinhos, os filmes, os escândalos familiares, o trabalho, a política, a comida, as viagens. Agora só falava do bebê e fazia de conta que escutava quando tratavam de outros temas. A única coisa que parecia registrar, como se despertasse de um torpor, era o nome do Baixinho Orelhudo. Como se sua mente se iluminasse com a imagem dos olhos do idiota assassino; como se conhecesse aqueles dedos magros que seguravam a corda. Dizia que Pablo estava obcecado pelo Baixinho. Ele não via a coisa assim. Ocorria que os outros assassinos do tour macabro por Buenos Aires eram chatos. A cidade não tinha grandes assassinos, com exceção dos grandes ditadores, não incluídos no passeio por correção política. Alguns dos facínoras de que Pablo falava tinham cometido crimes atrozes, mas bastante comuns segundo qualquer catálogo de violência patológica. O Baixinho era diferente. Era raro. Não tinha outros motivos além de seu desejo e parecia uma espécie de metáfora, o lado obscuro da orgulhosa Argentina do Centenário, um presságio do mal por vir, um anúncio de que havia muito mais que palácios e fazendas no país, uma bofetada no provincianismo das elites que julgavam que só coisas boas podiam chegar da pomposa e desejada Europa. O mais bonito era que o Baixinho não tinha a mínima consciência disso: simplesmente gostava de atacar crianças e acender fogueiras. Porque também era piromaníaco; agradava-lhe ver as chamas e observar o trabalho dos bombeiros, “sobretudo quando caíam no fogo”, como tinha dito a um dos interrogadores.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">A história que irritara a esposa envolvia fogo: ela acabou se levantando da mesa, gritando que nunca mais lhe falasse sobre o Baixinho, nunca mais, por motivo algum. Gritara isso enquanto abraçava o bebê, como se tivesse medo de que o Baixinho se materializasse e o atacasse. Depois, se trancara no quarto e o deixara comendo sozinho. Ele a mandou mentalmente à merda. A história era mesmo impressionante; não para armar tanto escândalo, achava ele, mas muito brutal de fato. Ocorreu no dia 7 de março de 1912. Uma menina de cinco anos, Reina Bonita Vainikoff, filha de imigrantes judeus letões, estava espiando a vitrine de uma sapataria perto de sua casa, na avenida Entre Ríos. Usava um vestido branco. O Baixinho se aproximou enquanto ela estava absorvida pela visão dos sapatos. Levava na mão um fósforo aceso. Tocou com a chama o vestido da menina, que se incendiou. Da calçada em frente, o avô da garotinha a viu envolta em chamas. Atravessou a rua correndo, desesperado. Não conseguiu sequer chegar perto da neta: transtornado, não deu atenção ao tráfego. Foi atropelado por um carro e morreu. Um fato estranhíssimo, dada a baixa velocidade dos veículos naquela época.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Reina Bonita também morreu, mas depois de dezesseis dias de dolorosa agonia.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O assassinato da pobre Reina Bonita não era o crime favorito de Pablo. Ele gostava — essa era a palavra, fazer o quê? — do de Jesualdo Giordano, de três anos. Sem dúvida era o que mais horror causava aos turistas, e talvez fosse por isto que lhe agradava: porque era prazeroso contá-lo e esperar a reação, sempre espantada, da plateia. Foi o crime pelo qual apanharam o Baixinho, além do mais, porque cometeu um erro fatal.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O Baixinho, como já era de costume, levou Jesualdo a um terreno baldio. Enforcou-o com treze voltas de corda. O menino resistiu com força; chorava e gritava. O Baixinho declarou à polícia que tentou fazer com que ele se calasse porque não queria ser interrompido como em outras ocasiões: “O menino, eu agarrei com os dentes aqui, perto da boca, e o sacudi como fazem os cachorros com os gatos”. Essa imagem incomodava os turistas, que se remexiam nos bancos e diziam “Meu Deus” em voz baixa. Não obstante, nunca lhe haviam pedido para interromper o relato. Depois de enforcar Jesualdo, o Baixinho o cobriu com uma placa e saiu para a rua. Mas algo o atormentava, uma ideia ardia em sua mente. De modo que, em seguida, voltou à cena do crime. Levava um prego. Pregou-o na cabeça do menino, que já estava morto.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">No dia seguinte, cometeu seu erro fatal. Sabe-se lá por que, compareceu ao velório do menino que havia matado. Disse, mais tarde, que queria ver se ainda tinha o prego na cabeça. Confessou esse desejo quando o levaram para acompanhar a autópsia, depois da denúncia do pai do menino morto. Quando viu o cadáver, o Baixinho fez uma coisa muito estranha: tapou o nariz e cuspiu, como se sentisse nojo, embora o corpo ainda não tivesse entrado em estado de decomposição. Os legistas, por algum motivo que a crônica policial da época não explica, fizeram-no ficar nu.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O Baixinho tinha uma ereção de dezoito centímetros. Acabara de fazer dezesseis anos.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Essa parte ele não podia contar à esposa. Uma vez havia tentado lhe falar das reações dos turistas diante do último crime do Baixinho, mas antes mesmo de começar o relato se deu conta de que ela não o estava escutando. Reclamou que precisavam mudar para uma casa maior quando o bebê crescesse. Não queria criá-lo num apartamento. Queria quintal, piscina, sala de jogos e um bairro tranquilo onde o menino pudesse brincar na rua. Ela sabia perfeitamente que este último quase não existia numa cidade com o tamanho e a intensidade de Buenos Aires, e mudar para um subúrbio rico e aprazível estava muito distante de sua realidade. Quando terminou de enumerar seus desejos para o futuro, pediu-lhe que mudasse de trabalho. Isso não, disse ele. Sou licenciado em turismo, gosto do que faço, não vou pedir demissão; eu me divirto, são poucas horas e estou aprendendo. O salário é uma miséria. Não, não é uma miséria, irritou-se Pablo. Acreditava estar ganhando bem, o suficiente para manter decentemente a família. Quem era aquela mulher desconhecida? Em outros tempos ela havia jurado que, com ele, era capaz de viver num hotel, na rua, embaixo de uma árvore. Tudo era culpa do bebê. Modificara a esposa por completo. E por quê? Se era um menino sem graça, enfadonho, dorminhoco, que, quando estava acordado, chorava quase sem parar. Por que não trabalha você, então, se quer mais dinheiro, disse Pablo à mulher. E ela pareceu se eriçar, gritou como se tivesse ficado louca. Gritou que precisava cuidar do bebê, o que é que ele queria, abandoná-lo com uma babá ou com a louca da mãe dele? Minha mãe não está louca, pensou Pablo, e, para não voltar a brigar aos gritos, saiu à calçada para fumar. Esta era outra coisa: desde que havia nascido o bebê, ela não o deixava fumar no apartamento.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">No dia seguinte à discussão, o Baixinho voltou ao ônibus. Dessa vez estava mais perto dele, quase ao lado do motorista, que claramente não o via. Pablo não se sentia diferente, só um pouco inquieto: temia que algum dos turistas também fosse capaz de ver o Baixinho espectral e causasse histeria no ônibus.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Quando apareceu, com a corda nas mãos, estavam numa das últimas paradas do percurso, a casa da rua Pavón. Ali havia sido encontrada uma das vítimas mais velhas do Baixinho, um de seus ataques mais esquisitos. Arturo Laurora, treze anos, estrangulado com a própria camisa; o corpo foi encontrado dentro de uma casa abandonada. Estava sem calça e com as nádegas machucadas, mas não tinha sido violado. Enquanto Pablo contava o caso, o Baixinho espectral, parado a seu lado, aparecia e desaparecia, tremia, perdia os contornos, como se fosse feito de fumaça ou névoa.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Pela primeira vez em muitas noites, alguém quis fazer uma pergunta. Pablo sorriu para o curioso com toda a falsidade que era capaz de conjurar. O turista — que, por seu sotaque, era caribenho — queria saber se o Baixinho havia posto um prego na cabeça de suas vítimas em alguma outra oportunidade. Não, respondeu Pablo. Que se saiba, foi só aquela vez. É muito estranho, disse o homem. E arriscou dizer que, se a carreira criminal do Baixinho tivesse sido mais longa, talvez o prego tivesse se convertido em sua marca, em sua assinatura. Quem sabe, respondeu Pablo com cordialidade, enquanto via como o Baixinho espectral acabava de se esfumar. Mas nunca vamos saber, não é verdade? O caribenho coçou o queixo.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Pablo voltou para casa pensando no prego e num travalínguas que sua mãe lhe havia ensinado quando era criança: Pablito clavó un clavito. /¿Qué clavito clavó Pablito?/ Un clavito chiquitito.* Abriu a porta do apartamento e se deparou com a cena habitual dos últimos meses: a televisão ligada, um prato com desenhos de Ben 10 e restos de abóbora, uma mamadeira meio vazia e a luz de seu quarto acesa. Assomou à porta. A mulher e o filho dormiam na cama, juntos. Sentiu que não os conhecia.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Pablo caminhou até o quarto que ele mesmo havia decorado para o filho antes que nascesse. Estava tão vazio que lhe deu frio. O berço imóvel estava escuro. Parecia o quarto de um menino morto, conservado intacto por uma família de luto. Pablo se perguntou o que aconteceria se o menino morresse, como a esposa parecia temer. Sabia a resposta.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Apoiou-se na parede vazia, onde vários meses antes, ainda antes do nascimento, antes que sua esposa se transformasse em outra pessoa, tinha planejado pendurar um móbile, um universo que giraria acima do berço do bebê para entretê-lo durante a noite. A lua, o sol, Júpiter, Marte e Saturno, os planetas e os satélites e as estrelas brilhando na escuridão. Mas nunca o pendurara porque a esposa não queria que o bebê dormisse ali e não havia meio de convencê-la. Tocou a parede e encontrou o prego, que continuava esperando. Arrancou-o com um puxão seco e o enfiou no bolso. Pensou que propiciaria um grande golpe de efeito para seu relato. Ele o tiraria do bolso justo quando contasse o crime do menino Jesualdo Giordano, no momento preciso, quando o Baixinho voltava e o cravava na cabeça do menino já morto. Numa dessas, algum turista ingênuo até acreditaria que se tratava do mesmo prego, perfeitamente conservado cem anos depois do assassinato. Sorriu ao pensar em seu pequeno triunfo e decidiu deitar no sofá da sala, longe da mulher e do filho, com o prego entre os dedos.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i>* “Pablito pregou um preguinho. Que preguinho pregou Pablito? Um preguinho pequenininho”, em tradução livre. (N. T.)</i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(<u>As coisas que perdemos no fogo</u>; tradução de José Geraldo Couto)</span></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração : Eric Lacombe - dark abstract portraits)</span></div><div style="text-align: justify;"><br /></div> Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-82673153534945320662024-03-08T07:40:00.000-08:002024-03-08T07:40:36.017-08:00MAR DE SARGAÇOS, de Geraldo Carneiro<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3Vwhr3mK1vEwKl9m_kyOOXZq6nsD5Xrb5OLccYEzA_3q2xUsVROg7PEKSIlxeV3KhTCUhUQD_U_L51x9nBNg4vaoasnwMEZaQuv1h6Q7VtrykLALnE3mJpsmPpP20nDVGy-3CEqNSkC_mxltDBGWNrHgKS0NUG6fW8BmqjAeP_ALMXy1cCl8xEh3pRls/s1516/xfig%20Egon%20Schiele%20-%20Girl%20with%20Black%20Hair%20(M%C3%A4dchen%20mit%20schwarzem%20Haar)%20c.1911.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1516" data-original-width="1024" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3Vwhr3mK1vEwKl9m_kyOOXZq6nsD5Xrb5OLccYEzA_3q2xUsVROg7PEKSIlxeV3KhTCUhUQD_U_L51x9nBNg4vaoasnwMEZaQuv1h6Q7VtrykLALnE3mJpsmPpP20nDVGy-3CEqNSkC_mxltDBGWNrHgKS0NUG6fW8BmqjAeP_ALMXy1cCl8xEh3pRls/s320/xfig%20Egon%20Schiele%20-%20Girl%20with%20Black%20Hair%20(M%C3%A4dchen%20mit%20schwarzem%20Haar)%20c.1911.jpg" width="216" /></a></div><br /><p class="MsoListParagraph" style="margin-left: 54pt; text-align: justify; text-indent: -18pt;"><span style="font-family: "Book Antiqua", serif; font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">no seu maremoto de sargaços
negros<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">na sua garganta minha
caravela<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">começa de novo nos quintais
vazios<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">a plantar canteiros no meio
da noite<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">nos seus alagados e no fim
de tudo<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">a cantar baladas de uma
estranha lua<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">entre os peixes mortos onde
algum corsário<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">a tramar batalhas no seu mar
profundo<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">recolhendo gritos nas suas
entranhas<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">vaga submerso a beber
escolhos<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">de outros naufrágios de
cristais marinhos<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">no seu mar profundo no meio
da noite<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">a beber escolhos de uma
estranha lua<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">a tramar batalhas nas suas
entranhas<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">onde algum corsário vaga
submerso<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">a cantar baladas nos seus
alagados<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">recolhendo gritos de outros
naufrágios<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">na sua garganta de cristais
marinhos<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">a plantar canteiros de
sargaços negros<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">nos quintais vazios no seu
maremoto<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">e no fim de tudo entre os
peixes mortos<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">começa de novo minha
caravela<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração: Egon
Schiele - Girl with Black Hair (Mädchen mit schwarzem Haar) c.1911)</span><span style="font-family: Book Antiqua, serif;"><o:p></o:p></span></span></p>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-49317152335795228112024-03-05T06:20:00.000-08:002024-03-05T06:20:26.617-08:00DIÁRIOS, de Lúcio Cardoso(*)<p> </p><p class="MsoListParagraph" style="margin-left: 54pt; text-align: center; text-indent: -18pt;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgpMYQDaMtrrdGpFhjTukMlmYevz2GtaYFpn0vsPdnE8lgAeON_rK1J35tWoI3vYXvPfqnkkfDs2SFdrSP2K2eIifUKxVR0YJCQZU2Mn941PUHRgjwOkkxodmuJTkubrpq5q9ya43st5OomRGHQu4i6IcIhn6cnqPjl_5vGDc6zQ4NSrJHkLOE9Ek9MxsA/s2000/xfig%20Henry%20Scott%20Tuke%20-After%20the%20bath.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2000" data-original-width="1520" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgpMYQDaMtrrdGpFhjTukMlmYevz2GtaYFpn0vsPdnE8lgAeON_rK1J35tWoI3vYXvPfqnkkfDs2SFdrSP2K2eIifUKxVR0YJCQZU2Mn941PUHRgjwOkkxodmuJTkubrpq5q9ya43st5OomRGHQu4i6IcIhn6cnqPjl_5vGDc6zQ4NSrJHkLOE9Ek9MxsA/s320/xfig%20Henry%20Scott%20Tuke%20-After%20the%20bath.jpg" width="243" /></a></div><br /><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Book Antiqua", serif;"><br /></span></div><p></p><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Não sei se há em mim um vício central da natureza, sei apenas que é nela, nessa paixão voraz e sem remédio, que encontro afinidade para as minhas cordas mais íntimas.”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Não é perder que me aflige – porque perdemos tudo, e seria inútil lutar. É perder dessa maneira, sem uma palavra, como uma flor viva que atirássemos ao fundo de uma sepultura. Ai, como eu me enganava, como eu me engano a meu próprio respeito! Julgo-me muito mais frio do que sou, e na verdade a ausência das pessoas me causa uma profunda perturbação. (Sei que despisto, que não me refiro exatamente ao que devo – porque ao certo, era de X, era da sua ausência que devia falar…)”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“O demônio é pequeno, magro e fala quase sem cansar. Está, como eu, estirado nu numa das tábuas da prateleira da sauna, e não parece estonteado com os vapores, tal como me acontece. De vez em quando comunica-me que o meu banho está errado e que não sigo exatamente as regras finlandesas: tenho de descer do canto sufocante onde me abrigo e deixar-me vergastar furiosamente com um chicote de folhas de eucaliptos. Em seguida sentar-me numa tina cheia d’água fria – e logo após subir de novo para a minha prateleira, onde quase sufoco, mal divisando o meu interlocutor através de espessas ondas de vapor. Não há dúvida de que era precisamente aqui que eu devia encontrá-lo. Revela-se logo um velho amigo da minha família, enquanto eu tremo interiormente, pensando em tudo o que poderá suceder. Possui um sítio não sei onde, uma máquina fotográfica com que apanhará instantâneos nossos, mil e uma pequenas utilidades. Recuso-me ao ridículo de sair da sauna correndo nu para me atirar ao rio; prefiro vestir-me calmamente, e só assim consigo livrar-me do importuno mestre de banhos a vapor.”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Um problema existe, sim, e grave, mas há vinte anos que eu me debato dentro dele, e é possível que, ultrapassando-o, nada mais me afaste desses sacramentos que são a base de toda a vida eterna.”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Ontem, num bar com Vito Pentagna, conversamos longamente sobre X. talvez eu tenha exagerado os meus sentimentos, mas hoje, procurando examinar com atenção o que se passa comigo, sinto que não tenho muito o que discordar do que disse: mais ou menos os meus sentimentos permanecem os mesmos. Não sei o que mais lamentar – mas nesta fidelidade, apesar de tudo, encontro uma garantia contra as minhas tendências à desordem e à dispersão. É pelo menos o que recolho de melhor nesta pesada prova que já tem a duração de dois anos.”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Rompendo ontem com X, atingi o final de um movimento que vem caminhando há muito tempo. Pensando hoje nos detalhes, imagino que talvez tenha sido injusto mas, ainda assim, não é mais tempo para recuar, já que no futuro a única coisa que me espera é o longo trabalho que tenho a fazer. Pensando em certos detalhes da vida de X, sua pobreza, suas dificuldades, o escuro porão em que mora, sua timidez feita de orgulho e em geral suas dificuldades na vida prática, sinto uma enorme pena. É uma coisa triste não poder auxiliar as pessoas como seria necessário; mas também não posso me sacrificar mais e, tudo o que foi vivido, vai para este poço fundo onde guardamos as lembranças, algumas delas, como esta, das melhores de nossa vida.”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Num carro, a caminho do Alto da Boa Vista, sigo com alguns jovens – alguns extremamente jovens – que se embriagam e rompem ampolas de Kelene, em cujo rótulo leio anestesiante. Sim, é fértil em recursos essa mocidade, mas do que precisamente procura ela se anestesiar? Nenhum deles sofre de algum mal profundo – e no entanto, esse mal pior de não sofrer de mal nenhum… – e são hábeis e versados nessas coisas de éter e entorpecentes, pronunciando esse nome – Kelene – com familiaridade, nome sem dúvida mais que usual nos hospitais, mas que ouço pela primeira vez e onde julgo distinguir inquietas ressonâncias, sombrias previsões e não sei que tom amputado e doloroso, que reflete salas de hospitais, asilos de alienados e antros escuros de vícios – todos os lugares enfim onde a alma impaciente pode passear sem arroubos finais seus gritos destruidores. Kelene, mesmo inocente, tem no frio do seu jato efêmero e cristalino, toda uma melodia secreta de delírios fúnebres, alvorecer em êxtase e desabrochamento de deliquescências reprimidas. E o que me espanta é que esses jovens moderados, de atitudes e costumes mais que burgueses, a isto se atirem com gritos de prazer e estremecimentos animais: como que da sombra alguma coisa mais primitiva e mais antiga do que o próprio homem, acorda em suas faces necrosadas o gosto do imundo.”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“É que o prazer não me interessa. Sempre o que me interessou foi o amor, e agora que vejo perder-se a possibilidade dele (ai de mim) sinto que não me interesso por outra coisa, e que o prazer sozinho não vale nada e não tem atrativos para mim.”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Aproveito todas as aquisições da idade: afasto-me da carne pura e simples, sentindo que nela não há prazer e nem enriquecimento, mas somente melancolia e pobreza. Ah, existe um momento em que ser casto não é difícil — e a ele eu me atiro com todas as forças do ser. Não, não se pode imaginar a necessidade que eu tenho de pureza e de tranquilidade — minha impressão é a de que recomeço a viver.”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Montherlant diz — e não pode haver testemunho mais insuspeito — que o homossexualismo é “a própria natureza”. No que tem razão, pois no ato de duas pessoas do mesmo sexo se unirem, há um esforço da natureza para se realizar até mesmo sem os meios adequados.”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Não, a carne não é importante — pelo menos não o é senão em determinada idade. Eu me pergunto se tantas pessoas que eu vejo, exclusivamente dominadas pela carne, pela ânsia do prazer, se não serão assim. exclusivamente por uma questão de vício, de hábito, de covardia ante a necessidade de mudar a forma de vida, de procurar o divertimento em formas mais elevadas e menos deprimentes.”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Estranho dom: Deus deu-me todos os sexos.”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Aqui está alguém que eu conheço e cujo retrato encontro estampado em todos os jornais. T. possui dezoito anos, tez pálida, cabelos muito pretos e olhos intensamente azuis. Olhos que vivem nesta face com a melodia agreste dos felinos. Quando o conheci, surpreendeu-me a força que manifestava, calada e secreta. Fugiu de casa, agrediu algumas pessoas, roubou perto de trezentos mil cruzeiros, foi condenado e eu o revi, mais tarde, na penitenciária, numa visita que fiz àquela casa. Não trocamos palavra, ele trabalhava na seção de consertos de rádio e eu o reconheci imediatamente, pela extraordinária particularidade de seus olhos agudos, vigilantes, se bem que tivesse crescido muito e guardasse em todos os gestos um jeito novo de defesa. (Lembrei-me particularmente de um dia de carnaval, quando me levou à casa onde então morava um sórdido barracão, em companhia de um preto que ele espancava continuamente. Embriagou-se nesta noite e quebrou todos os móveis que existiam lá dentro. Eu o contemplava, cheio de admiração.) Agora acaba de fugir pelos esgotos da prisão, onde esteve durante dezoito horas, emergindo rasgado, mordido pelos insetos e coberto de lama, num dos bueiros da cidade. Preso de novo, declarou aos jornais que não suporta a monotonia da vida. E eu me lembro mais uma vez daqueles olhos sem repouso, autoritários, capazes de todos os extremos, que tentei evocar numa peça que nunca saiu da gaveta, intitulada Olhos de Gato. O que ousei pensar, decerto fica muito aquém da realidade. Ó grande Deus, equívoco da paixão e do crime!”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i>(*) Seleção de Ésio Macedo Ribeiro</i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div> <div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração: Henry Scott Tuke - After the bath)</span></div><div style="text-align: justify;"><br /></div> Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-90610413195817396902024-03-02T07:20:00.000-08:002024-03-02T07:20:08.741-08:00ENTRE O CALOR DAS TUAS PERNAS, de Amadeu Kazunde<p style="text-align: center;"> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQTe0qo6hkg-biKwTiF7KjREmheUQ6Z9COgJT8BOAhOb33lU1O5FDsWZIpuBmyRGHzL7Fycv8yO8C-iQNbQlX2XDJGMsyQWm7XHSgoYW9P1J9SoaSBHAlHZ57xwEqWGyk0r2NPzfktHf8aAr_cDqDP-GCY930mgPdgGM6-YbRpzWS40SKbWogknZsBGhU/s958/xfig%20Jo%C3%A3o%20Timane,%20artista%20pl%C3%A1stico%20Mo%C3%A7ambicano.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="958" data-original-width="683" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQTe0qo6hkg-biKwTiF7KjREmheUQ6Z9COgJT8BOAhOb33lU1O5FDsWZIpuBmyRGHzL7Fycv8yO8C-iQNbQlX2XDJGMsyQWm7XHSgoYW9P1J9SoaSBHAlHZ57xwEqWGyk0r2NPzfktHf8aAr_cDqDP-GCY930mgPdgGM6-YbRpzWS40SKbWogknZsBGhU/s320/xfig%20Jo%C3%A3o%20Timane,%20artista%20pl%C3%A1stico%20Mo%C3%A7ambicano.jpg" width="228" /></a></div><br /><span style="font-family: "Book Antiqua", serif; font-size: 12pt; text-align: justify;"> </span><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: georgia;">Entre o calor das tuas
pernas</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">sobressai firme e vigorosa<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">numa atitude de lascívia<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">a rosa dos meus desejos.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">E vejo em cada curva das
suas pétalas<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">milhões de gestos
provocantes<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">que me inundam o corpo<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">com milhões de riachos
prateados.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Entre o calor das tuas
pernas<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">desabrocha muda e
esperançosa<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">a rosa dos meus desejos.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Por ela vivo uma ânsia
profunda<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">de ver chegar o dia<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">em que me deliciarei diluído<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">no seu aroma inebriante.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">E nesse dia,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">milhões de forças gritantes<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">percorrerão o meu sangue<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">e galgarei sobre a montanha
sagrada<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">abrindo trilhos por entre o
mar de flores<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">penetrarei embriagado<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">nas cavernas negras e
alagadas<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">de paredes desejosas<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">e descarregarei<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">todo o meu furor bastante<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">sobre os recantos mais
profundos<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">dos subterrâneos
conquistados<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">do jardim afrodisíaco.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">E então<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">regressarei flácido mas
ressuscitado<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">e sobre a montanha sagrada<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">dormirei um sonho profundo!<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: georgia;">(<u>As palavras amadurecem</u>;
Moçambique)<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><span style="font-family: georgia;"> </span></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração: João Timane, artista plástico Moçambicano)<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><span style="font-family: georgia;"> </span></o:p></span></p>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-42160513362398510582024-02-28T06:14:00.000-08:002024-02-28T06:14:40.163-08:00O BARBA DE OURO E A CARANTONHA, de Aluísio de Almeida<p> </p><p class="MsoListParagraph" style="margin-left: 54pt; text-align: center; text-indent: -18pt;"><span style="font-family: "Book Antiqua", serif; font-size: 12pt;"> </span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEix4eXrj5szJYtGeQpH7hclw2vs514reM-KZFKOYJRD0sXWHQrCJcEZWCJKyNcYIzRowjG92MntZMvsJeVQaQfJZbuooyggxyz2a4-Abm6ls-MmFrMJ-kyfp-6ZzEd9uidjElp_0362cIwYNEVx7juAjB58YOAxFwvEW3_nyjDYFp1yGWQCIX_kqYaakZU/s923/xfig%20Thomas%20Sully%20-%20Cinderella%20at%20the%20kitchen%20fire.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="923" height="277" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEix4eXrj5szJYtGeQpH7hclw2vs514reM-KZFKOYJRD0sXWHQrCJcEZWCJKyNcYIzRowjG92MntZMvsJeVQaQfJZbuooyggxyz2a4-Abm6ls-MmFrMJ-kyfp-6ZzEd9uidjElp_0362cIwYNEVx7juAjB58YOAxFwvEW3_nyjDYFp1yGWQCIX_kqYaakZU/s320/xfig%20Thomas%20Sully%20-%20Cinderella%20at%20the%20kitchen%20fire.jpeg" width="320" /></a></div><br /><p></p>
<div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Havia um rei que tinha uma bonita barba de ouro. E um dia ele foi chamado ao quarto da rainha para ver a criança que acabava de nascer. Mas esse barba de ouro era encantado e mau. Assim que viu o lindo menininho, pegou e foi comendo-o à vista de todos.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">A rainha, quando de novo estava esperando outra criança, combinou com a comadre para lograrem o rei. Arranjaram um coelhinho. Chamaram o barba de ouro e lhe apresentaram o filho. Ah! O rei comeu o coelhinho e gostou.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">A comadre levou a criança, que era uma menina, para criar por uns camponeses a um outro reinado. A menina foi crescendo, crescendo. Os pais adotivos eram pobres, não sabiam o que fazer com ela. E já estava em ponto de casar.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Então mataram uma ovelha, tiraram-lhe a pele e vestiram com ela a mocinha, que ficou que nem um bicho. A madrinha, que era uma fada, pôs-lhe no dedo um anel que era para ela pedir o que precisasse. E subiram as águas-furtadas da casa, despediram-se da moça e, dizendo-lhe que se fosse com Deus, pelo mundo, empurraram-na da janela.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Aquela coisa foi, foi, ao léu do vento e, enfim, caiu na floresta. O bicho ficou por ali, quieto. Ouvia as cornetas: tu, tu, ru, tu, e latidos dos cães. O rei estava à caça. E então apareceram os caçadores e já levavam a arma à cara, quando o rei ordenou: não atirem!</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O rei desse reinado era moço e curioso. Achou esquisito aquele bicho que falava como gente. Levou-o para a cozinha do palácio e pôs-lhe o nome de Carantonha.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">A Carantonha assistia às festas de longe.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Uma ocasião ouviu contar, na cozinha, de três grandes bailes que o rei ia dar em seguida, para escolher a sua noiva.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Em todo o reinado, era um reboliço fora dos costume e costureiras e alfaiates não tinham mãos a medir. As moças queriam ser princesas.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O rei gostava de ver sempre a Carantonha, que lhe prestava serviços, muito humilde.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Carantonha segurava a bacia de prata para o rei lavar as mãos.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Vossa majestade me deixa ir na festa?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">- Tu, Carantonha?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O rei falou assim e borrifou o rosto dela, brincando. O que é que ela ia lá fazer? Carantonha saiu chorando para o seu cantinho da cozinha. Só então é que se lembrou do anel. Esfregou-o e disse:</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">- Anel, pelo poder que Deus te deu, quero que me arranjes um vestido cor da terra e uns chapins muito bonitos! – Imediatamente Carantonha viu-se transformada naquela princesa mais bonita e procurou as salas de baile sem que ninguém percebesse. Opa! Foi um sucesso! O rei dançou com ela e quase só com ela. Perguntou-lhe donde era e Carantonha respondeu:</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">- Eu sou da terra dos borrifos de água. E tratou de sair despercebida, para a cozinha, vestindo de novo a pele de ovelha.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">No outro dia a criadagem não falava de outra coisa: da nova princesa que aparecera e ninguém sabia de que reinado era.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Quando ela foi apresentar a toalha ao rei, pediu-lhe licença para ir ao baile. O rei atirou-lhe a toalha:</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">- Tu, Carantonha?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Lá foi a moça para o seu cantinho da cozinha, esfregou o anel, e:</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">- Hoje quero um vestido cor de céu. E já estava como uma princesa. E foi entrando com jeito no salão. Opa! Que sucesso! O rei dançou com ela até a madrugada. Perguntou-lhe donde era.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Eu? Eu sou da terra do joga a toalha. E tratou de escapulir-se.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">No terceiro dia, enquanto o rei lavava as mãos depois do jantar, Carantonha pediu-lhe outra vez a licença para ir ao baile.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Tu, Carantonha? E o rei deu-lhe um tapinha na cara, brincando.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">A moça pediu ao anel o vestido cor do mar, muito mais lindo que os outros. E entrou no salão. Já o rei foi recebê-la e dançaram, dançaram.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Donde és, bela princesa? Quero casar-me contigo, disse-lhe o rei.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Eu? Eu sou da terra do leva um tapa.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Mais tarde a Carantonha escapou e foi vestir sua pele na cozinha.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Estava acabando o baile. O rei resolveu descobrir o enigma. A princesa acabava de desaparecer. Devia estar ainda no palácio. O rei mandou a polícia ocupar todas as saídas e quando as moças iam saindo examinava uma por uma a ver-lhe o vestido cor do mar e as feições do rosto, que muito bem lembrava. Nada! Ninguém! Examinou depois as camareiras do palácio. Carantonha pediu ao anel o mesmo vestido cor do mar, cobriu-se com a pele e ficou esperando. O rei estava certo que ninguém saíra. E então só faltava examinar a Carantonha. Ele já andava desconfiado. Por isso chegou de repente, puxou a espada e rasgou-lhe um pedaço da pele. Apareceu o vestido.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Ah! É assim? – disse o rei, riscou a pele de alto a baixo e Carantonha apareceu se rindo, nos modos e no porte de uma princesa.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Os cortesãos estavam admirados! Que coisa!</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Mas o rei, meio carrancudo, interpelou a moça.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Tu estavas zombando de mim? Olha, que eu não sou para brincadeiras. Por que é que me dissestes que era da terra dos borrifos de água?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">- Ué! Então vossa majestade não se lembra mais que quando pedi para ir ao baile da primeira noite me esborrifou a água no meu rosto?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">- Ah! Tens razão. E por que na segunda noite disseste seres da terra do joga a toalha?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">- Porque vossa majestade, quando pedi para ir ao baile, me jogou a toalha.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Ah! É verdade. E na terceira noite tu eras da terra leva um tapa.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Pois sim! Vossa majestade, quando lhe pedi para ir ao baile, me deu um tapa, brincando.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Em seguida, o rei apresentou a noiva aos cortesãos e convidados, marcou-se o dia das bodas. À hora do banquete, a nova rainha, como era costume, contou uma história. A história dela, a sua infância escondida, a caçada real, a madrinha boa fada. O barba de ouro era falecido, e a rainha mãe dela. Os pais adotivos vieram morar no palácio. Parece que ainda existem, arcadinhos, arcadinhos, mas contentes da vida!</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">* * *</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Contou Luís Maria Ferreira, que lhe contou uma tia de seu pai lá por 1880, na Ilha da Madeira. Variante da conhecida Pele de burro com a Maria Borralheira, mais a interposição de um elemento novo, o barba de ouro, para explicar o motivo da transmutação, deixadas em paz as pobres madrastas.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(<u>Três contos populares</u>. O Estado de São Paulo, 4 de setembro de 1949)</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div> <div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração: Thomas Sully - Cinderella at the kitchen fire)</span></div><div style="text-align: justify;"><br /></div> Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-31036791673035552552024-02-25T09:13:00.000-08:002024-02-25T09:14:08.514-08:00TO A MOUSE, ON TURNING HER UP NEST WITH THE PLOUGH / A UM CAMUNDONGO, AO REVIRÁ-LO NO SEU NINHO COM O ARADO, de Robert Burns<p style="text-align: center;"> </p><p class="MsoListParagraph" style="margin-left: 54pt; text-align: center; text-indent: -18pt;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgH5lNmGE-j3TLaZWsF8OR2RfdoIeBszuEtmDeKYoKV8oMYQFxhYloBuNlnRjE55OC5gvhk4zKmwzZcqWNd3e0PRQE9kzZURb4vfUkw8LLk-VoP4hF0DbY1knquMlrIKq2oUh9pJNcDwY4eNjHG3yiRvHvTSXOnuNrclDDtTIgMzqgRM2ulVwrrCZM9Pd4/s800/xfig%20Marianne%20von%20Werefkin%20%20(1860%E2%80%931938)11%20S.jpg" style="font-family: georgia; margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-indent: 0px;"><img border="0" data-original-height="566" data-original-width="800" height="226" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgH5lNmGE-j3TLaZWsF8OR2RfdoIeBszuEtmDeKYoKV8oMYQFxhYloBuNlnRjE55OC5gvhk4zKmwzZcqWNd3e0PRQE9kzZURb4vfUkw8LLk-VoP4hF0DbY1knquMlrIKq2oUh9pJNcDwY4eNjHG3yiRvHvTSXOnuNrclDDtTIgMzqgRM2ulVwrrCZM9Pd4/w320-h226/xfig%20Marianne%20von%20Werefkin%20%20(1860%E2%80%931938)11%20S.jpg" width="320" /></a></p>
<span style="font-family: georgia;"><br /><br /><b>NOVEMBER 1785 </b><br /><br /> <br /><br /><b>I </b><br /><br /> <br /><br /><b>Wee, sleekit, cowrin, tim’ beastie, </b><br /><br /><b>O, what a panic’s thy breastie! </b><br /><br /><b>Thou need na start awa sae hasty </b><br /><br /><b> Wi’ bickering brattle! </b><br /><br /><b>I wad be laith to rin an’ chase thee, </b><br /><br /><b> Wi’ mudering pattle! </b><br /><br /> <br /><br /><b>II </b><br /><br /> <br /><br /><b>I’m truly sorry man’s dominion </b><br /><br /><b>Has broken Nature’s social union, </b><br /><br /><b>An’ justifies that ill opinion </b><br /><br /><b> Wich makes thee startle </b><br /><br /><b>At me, thy poor, earth-born companion </b><br /><br /><b> An’ fellow mortal! </b><br /><br /> <br /><br /><b>III </b><br /><br /> <br /><br /><b>I doubt na, whyles, but thou may thieve; </b><br /><br /><b>What then? poor beastie, thou maun live! </b><br /><br /><b>A daimen icker in a thrave </b><br /><br /><b> ’S a sma’ request; </b><br /><br /><b>I’ll get a blessin wi’ the lave, </b><br /><br /><b> An’ never miss’t! </b><br /><br /> <br /><br /><b>IV </b><br /><br /> <br /><br /><b>Thy wee-bit housie, too, in ruin! </b><br /><br /><b>Its silly wa’s the win’s are strewin! </b><br /><br /><b>An’ naething, now, to big a new ane, </b><br /><br /><b> O’ foggage green! </b><br /><br /><b>An’ bleak December’s win’s ensuing, </b><br /><br /><b> Baith snell an’ keen! </b><br /><br /> <br /><br /><b>V </b><br /><br /> <br /><br /><b>Thou saw fields laid bare an’ waste, </b><br /><br /><b>An’ weary winter comin fast, </b><br /><br /><b>An’ cozie here, beneath the blast, </b><br /><br /><b> Thou thought to dwell, </b><br /><br /><b>Till crash! the cruel coulter past </b><br /><br /><b> Out thro’ thy cell. </b><br /><br /> <br /><br /><b>VI </b><br /><br /> <br /><br /><b>That wee bit heap o’ leaves an’ stibble, </b><br /><br /><b>Has cost thee monie a weary nibble! </b><br /><br /><b>Now thou’s turned out, for a’ thy trouble, </b><br /><br /><b> But house or hald, </b><br /><br /><b>To thole the winter’s sleety dribble, </b><br /><br /><b> An’ cranreuch cauld! </b><br /><br /> <br /><br /><b>VII </b><br /><br /> <br /><br /><b>But Mousie, thou art no thy lane, </b><br /><br /><b>In proving foresight may be vain: </b><br /><br /><b>The beast-laid schemes o’ mice an’ men </b><br /><br /><b> Gang aft agley, </b><br /><br /><b>An’ lea’e us nought but grief an’ pain, </b><br /><br /><b> For promis’d joy! </b><br /><br /> <br /><br /><b> VIII </b><br /><br /> <br /><br /><b>Still thou art blest, compared wi’ me! </b><br /><br /><b>The present only touched thee: </b><br /><br /><b>But och! I backward cast me e’e, </b><br /><br /><b> On prospects drear! </b><br /><br /><b>An’ forward, tho’ I canna see, </b><br /><br /><b> I guess an’ fear! </b><br /><br /> <br /><br /><u>Tradução de Luiza Lobo: <br /></u><br /> <br /><br /><b>NOVEMBRO 1875 </b><br /><br /> <br /><br /><b>I </b><br /><br /> <br /><br /><b>Suave, encolhido, tímido animalzinho, </b><br /><br /><b>Oh, que terror se aperta em teu peitinho! </b><br /><br /><b>Não precisas te precipitar </b><br /><br /><b> Em temerosa corrida! </b><br /><br /><b>Eu não desejava te arreliar e perseguir </b><br /><br /><b> Com enxadão assassino! </b><br /><br /> <br /><br /><b>II </b><br /><br /> <br /><br /><b>Sincero lastimo a humana dominação </b><br /><br /><b>A quebrar da Natureza a social união, </b><br /><br /><b>E a justificar tão má opinião </b><br /><br /><b> Que o faz saltar </b><br /><br /><b>Longe de mim, teu pobre companheiro </b><br /><br /><b> Terreno e mortal! </b><br /><br /> <br /><br /><b>III </b><br /><br /> <br /><br /><b>Não duvido, tu és o meu ladrão; </b><br /><br /><b>E então? animalzinho, precisas sobreviver! </b><br /><br /><b>Um grãozinho de milho num monte de grãos </b><br /><br /><b> É pequena requisição; </b><br /><br /> <br /><br /><b>Será uma dádiva o que me deixares </b><br /><br /><b> Nunca sentirei o que me roubares! </b><br /><br /> <br /><br /><b>IV </b><br /><br /> <br /><br /><b>E tua casinhola, também em ruínas! </b><br /><br /><b>Seus tolos muros pelos ventos carregados! </b><br /><br /><b>E nada já para construir-te uma casa nova, </b><br /><br /><b> Mesmo de áspero capim! </b><br /><br /><b>E em dezembro, as invernais ventanias </b><br /><br /><b> Aparecem, cortantes e severas! </b><br /><br /> <br /><br /><b>V </b><br /><br /> <br /><br /><b>Tu viste os campos desertos, devastados, </b><br /><br /><b>E o árido inverno rápido chegado, </b><br /><br /><b>E, comodamente, sob os vendavais, </b><br /><br /><b> Aqui pensaste em habitar! </b><br /><br /><b>Até que um som cruel cortou numa fatia </b><br /><br /><b> Crash! A tua morada. </b><br /><br /> <br /><br /><b>VI </b><br /><br /> <br /><br /><b>Este feixe de folhas e restolhos, </b><br /><br /><b>Como te custou exaustivos bocados, </b><br /><br /><b>Agora foste expulso, apesar dos cuidados, </b><br /><br /><b> Sem abrigo nem casa ter, </b><br /><br /><b>A suportar chuvosa a fria geada, </b><br /><br /><b> E a terra sentir congelada! </b><br /><br /> <br /><br /><b>VII </b><br /><br /> <br /><br /><b>Mas camundonguinho, tu não estás sozinho </b><br /><br /><b>Ter precaução pode ser algo bem vão: </b><br /><br /><b>Os melhores planos de ratos e homens </b><br /><br /><b> Por vezes se arruínam </b><br /><br /><b>Deixando-nos imersos em tristeza e dor </b><br /><br /><b> Em lugar da prometida alegria! </b><br /><br /> <br /><br /> <br /><br /><b>VIII </b><br /><br /> <br /><br /><b>És contudo feliz se comigo comparado! </b><br /><br /><b>Pois tão-somente o presente observas: </b><br /><br /><b>Enquanto eu, oh! quando para trás olho </b><br /><br /><b> Só planos frustrados enxergo! </b><br /><br /><b>E quando olho para frente nada vejo, </b><br /><br /><b> Senão maus augúrios, e estremeço! </b><br /><br /> <br /><br /> <br /><br /><u>(Robert Burns, 50 Poemas)</u></span><div><span style="font-family: georgia;"><u><br /></u></span><div><span style="font-family: georgia;"><u><br /></u></span></div><div><span style="font-family: georgia;">(Ilustração: Marianne von Werefkin, 1860–1938)<br /></span><div><span style="font-family: georgia;"><u><br /></u></span></div><div><span style="font-family: georgia;"><u><br /></u></span></div><div><span style="font-family: georgia;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /><u><br /></u></span></div></div></div>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-80412029287116370822024-02-22T06:29:00.000-08:002024-02-22T06:29:11.665-08:00RELAÇÃO HISTÓRICA DE 1753: A CIDADE ABANDONADA, de Anônimo (*)<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgIGwZCcGyGgFSdYburRmTAI0v3l4sEDIedYMBIlgLjBlWCl0xDNBuw2fp8wa3ldDcCiqZSgwQDcaE8Ej8jEMwYBzh1YOrYlzV1Kkd_jB3dbp-wdNnRwe0tM-7Vwg7rf5TwqGG0PWq4IsrDQ9bH2tI-seTYf_WDoDVwCAYhNdroKFBEEeZR8Iy80i1xGhY/s581/111Primeira%20p%C3%A1gina%20do%20manuscrito%20-%20foto%20da%20Funda%C3%A7%C3%A3o%20Biblioteca%20Nacional.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="581" data-original-width="390" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgIGwZCcGyGgFSdYburRmTAI0v3l4sEDIedYMBIlgLjBlWCl0xDNBuw2fp8wa3ldDcCiqZSgwQDcaE8Ej8jEMwYBzh1YOrYlzV1Kkd_jB3dbp-wdNnRwe0tM-7Vwg7rf5TwqGG0PWq4IsrDQ9bH2tI-seTYf_WDoDVwCAYhNdroKFBEEeZR8Iy80i1xGhY/w269-h400/111Primeira%20p%C3%A1gina%20do%20manuscrito%20-%20foto%20da%20Funda%C3%A7%C3%A3o%20Biblioteca%20Nacional.png" width="269" /></a></div><br /><p class="MsoListParagraph" style="margin-left: 54pt; text-align: center; text-indent: -18pt;"><i style="font-family: georgia; font-size: small;">Fonte: Revista trimestral de história e geografia do Instituto Geográfico Brasileiro. Tomo i, 1839-40. 1839, Rio de Janeiro (Biblioteca Nacional). Os espaços do manuscrito expressos em pontos são os lugares roídos de cupim. A grafia original foi mantida.</i></p><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Relação Histórica de uma oculta, e grande Povoação antiquissima sem moradores, que se descubrio no ano de 1753.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Em a América............................ nos interiores............................. contíguos aos............................. Mestre de Can............................</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">e sua commitiva, havendo dez annos que viajava pelos</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">sertões, a vêr se descubria as decantadas minas de prata do grande descubridor Moribeca, que por culpa de hum Governador se não fizerão patentes, pois queria usurpar-lhe esta gloria, e o teve prezo na Bahia até morrer, e ficarão por descubrir. Veio esta notícia ao Rio de Janeiro em o principio do anno de 1754.”.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">* * *</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Depois de uma larga, e importuna perigrinação, incitados da insaciavel cobiça do ouro, e quasi perdidos em muitos annos por este vastissimo Certão, descubrimos uma cordilheira de montes tão elevados, que parecião chegavão à Região etherea, e que servião de throno ao vento, às mesmas estrellas; o luzimento que de longe se admirava, principalmente quando o Sol fazia impressão no cristal de que era composta, formando huma vista tão grande, e agradavel, que ninguem daquelles reflexos podia afastar os olhos; entrou a chover antes de entrarmos a registrar esta cristallina maravilha, e viamos sobre a pedra escalvada correr as aguas precipitando-se dos altos rochedos, parecendo-nos como a neve, ferida pelos raios do Sol, pelas agradaveis vistas d’aquelle .............. uina se reduziria .......................................... das aguas, e a tranquilidade ........ do tempo nos resolvemos a investigar aquelle admirável prodigio da natureza, chegando-nos ao pé dos montes, sem embaraço algum de matos, ou rios, que nos difficultasse o transito; porem circulando as montanhas, não achamos passo franco para executarmos a resolução de acomettermos estes Alpes, e Pyrineos Brasilicos, resultandonos deste desengano uma inexplicavel tristeza.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Abarracados nós, e com o designio de retrocedermos no dia seguinte, succedeo correr hum negro, andando à lenha, a hum veado branco, que vio, e descobrir por este acaso o caminho entre duas serras, que parecião cortadas por artificio, e não pela Natureza: com o alvoroço d’esta novidade principiamos a subir, achando muita pedra solta, e amontoada, por onde julgamos ser calçada desfeita com a continuação do tempo. Gastamos boas tres horas na subida, porem suave pelos cristaes que admiravamos, e no cume do monte fizemos alto, do qual estendendo a vista, vimos em hum campo raso maiores demonstrações para a nossa admiração.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Devizamos cousa de legoa e meia huma Povoação grande, persuadindo-nos pelo dilatado da figura ser alguma cidade da côrte do Brazil, descemos logo ao Valle com a cautella ...... seria em semelhante caso, mandando explor</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">.............. gar a qualidade, e ................... se bem que repararam .................... fuminéz, sendo este, hum dos signaes evidentes das Povoações.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Estivemos dois dias esperando aos exploradores para o fim que muito desejavamos, e só ouvimos cantar gallos para ajuizar que havia alli povoadores; até que chegaram os nossos desenganados de que não havia moradores, ficando todos confuzos: resolveu-se depois hum indio da nossa commitiva a entrar a todo o risco, e com precaução; mas tornando assombrado, affirmou-nos não achar, nem descobrir rastro de pessoa alguma; este caso nos fêz confundir de sorte, que não acreditamos pelo que viamos de domicilios, e assim se arrujaram todos os exploradores a ir seguindo os passos do indio.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Vierão confirmando o referido depoimento de não haver povo, e assim nos determinamos todos a entrar com armas por esta povoação, em huma madrugada, sem haver quem nos sahisse ao encontro a impedir os passos, e não achamos outro caminho, senão o unico que tem a grande povoação, cuja entrada he por tres arcos de grande altura, o do meio he maior, e os dois dos lados são mais pequenos; sobre o grande e principal divisamos letras que se não poderão copiar pela grande altura.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Faz uma rua da largura dos tres arcos com casas de sobrados de huma, e outra parte, com as fronteiras de pedra lavrada e já denegrida;....... inscripções, abertas todas</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">....................ortas são baixas de fei..................nas notando que pela regularidade e simetria com que estão feitas, parece huma só propriedade de casas, sendo em realidade muitas, e algumas com seus terrados descoubertos, e sem telha, por que os tectos são de ladrilho requeimado huns, e de lages outros.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Corremos com bastante pavor algumas casas, e em nenhuma achamos vestigios de alfaias, nem moveis, que podessemos pelo uso, e trato, conhecer a qualidade dos naturaes: as casas são todas escuras no interior, e apenas tem huma escassa luz, e como são abobadas, resonavão os echos dos que fallavão e as mesmas vozes atemorisavão.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Passada, e vista a rua de bom comprimento, demos em huma Praça regular, e no meio d’ella uma columna de pedra preta de grandeza extraordinaria, e sobre ella huma estatua de homem ordinario, com huma mão na ilharga esquerda, e o braço direito estendido, mostrando com o dedo index ao Povo Norte; em cada canto da dita Praça está huma Agulha, à imitação das que usavão os Romanos, mas algumas já maltratadas, e partidas como feridas de alguns raios.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Pelo lado direito d’esta Praça está hum soberbo edificio, como casa principal de algum senhor da Terra; faz hum grande salão na entrada, e ainda com medo não corremos todas as ca...... sendo tantas, e os retret................zerão formar algum ...............mara achamos hu.....................</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">massa de extraordin....................soas custavão o levantal-a.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Os morcegos erão tantos, que investião as caras das gentes, e fazião uma tal bulha, que admirava: sobre o portico principal da rua está uma figura de meio relevo talhada da mesma pedra, e dispida da cintura para cima, coroada de louro; representa pessoa de pouca idade, sem barba, com huma banda atravessada, e hum fraldelim pela cintura; debaixo do escudo da tal figura tem alguns characteres já gastos com o tempo; divisão-se porem os seguintes: — (Veja-se a estampa, inscrição N. 1).</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Da parte esquerda da dita Praça está outro edificio totalmente arruinado, e pelos vestigios bem mostra que foi templo, porque ainda conserva parte do seu magnifico frontespicio, e algumas naves de pedra inteira: occupa grande território, e nas suas arruinadas paredes se veem obras de primor com algumas figuras, e retratos embutidos na pedra com cruzes de vários feitios, corvos, e outras miudezas, que carecem de largo tempo para descrevel-as.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Segue-se a este edificio huma grande parte de povoações toda arruinada, e sepultada em grandes, e medonhas aberturas da terra, sem que em toda esta circunferencia se veja herva, arvore ou planta produzida pela Natureza, mas sim montões de pedra, humas toscas e outras lavradas, pelo q’entendemos ........verção, porque ainda entre ................ da de cadaveres, que .......... e parte d’esta infeliz ..... da e desamparada, talvez por algum terremoto.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Defronte da dita Praça corre arrebatadamente um caudaloso rio largo, e espaçoso com algumas margens, que o fazem muito agradável à vista: terá de largura onze, até doze braças, sem voltas consideraveis, limpas as margens de arvoredo, e troncos, que as innundações costumão trazer; sondamos a sua altura, e achamos nas partes mais profundas quinze, e até dezesseis braças. Da parte d’alem tudo são campos muito viçosos e com tanta variedade de flores, que parece andou a Natureza mais cuidadosa por estas partes, fazendo produzir os mais mimosos campos de Flora: admiramos tambem algumas lagoas todas cheias de arroz, do qual nos aproveitamos, e também dos inumeráveis bandos de patos, que se crião na fertilidade d’estes campos, sem nos ser difficil o caçal-os sem chumbo, mas sim às mãos.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Tres dias caminhamos rio abaixo, e topamos huma catadupa de tanto estrondo pela força das agoas, e resistencia do lugar, que julgamos o não fazia maior as boccas do decantado Nilo, que parece o grande Oceano. He todo cheio de peninsulas, cobertas de verde relva, com algumas arvores dispersas, que fazem) ..............davel. Aqui achamos .............. a falta d’elle se nos................ta</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">variedade de caça....tros muitos animais creados sem caçadores que os corrão, e os persigão.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Da parte do Oriente d’esta catadupa achamos subcavões, e medonhas covas, fazendo-se experiencia da sua profundidade com muitas cordas; as quaes por mais compridas que fossem, nunca podemos topar o seu centro. Achamos tambem algumas pedras soltas; e na superfície da terra, cravadas de prata, como tiradas das minas, deixadas ao tempo.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Entre estas furnas vimos huma coberta com huma grande lage, e com as seguintes figuras lavradas na mesma pedra, que insinuão grande mysterio ao que parece (Inscrição N. 2). Sobre o portico do templo vimos outras da forma seguinte designadas. (Inscrição N. 3).</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Afastado da povoação, tiro de canhão, está hum edificio, como casa de campo de duzentos e cincoenta passos de frente: pelo qual se entra por um grande portico, e se sobe por uma escada de pedra de varias cores, dando-se logo em huma grande sala, e depois d’esta em quinze casas pequenas todas com portas para a dita sala, e cada huma sobre si, e com sua bica d’agoa .................. a qual agoas e ajunta..................mão no pateo exter.............. columnatas em cir...............ra quadrada por artificio, suspensas com os seguintes characteres. (Inscrição N. 4).</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Depois d’esta admiração, entramos pelas margens do rio a fazer experiencia de descubrir ouro, e sem trabalho achamos boa pinta na superficie da terra, promettendo-nos muita grandeza, assim de ouro, como de prata: admiramos o sêr deixada esta povoação dos que a habitavão, não tendo achado a nossa exacta diligencia por estes certões, pessoa alguma, que nos conte d’esta deploravel maravilha, de quem fosse esta povoação, mostrando bem nas suas ruinas a figura, e grandeza que teria, e como seria populosa, e opulenta nos seculos em que floresceo povoada; estando hoje habitada de andorinhas, morcegas, ratos, e raposas, que cevadas na muita creação de galinhas e patos, se fazem maiores que hum cão perdigueiro. Os ratos tem as pernas tão curtas, que saltão como pulgas e não andão, nem correm como os de povoado.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">D’aqui d’este lugar se apartou hum companheiro, o qual com outros mais, depois de nove dias de boa marcha avistaram, à beira de huma grande enseada que faz hum rio, huma canoa, com duas pessoas brancas, e de cabellos pretos, e soltos, vestidas á Europea ............ hum tiro como signal para se ve.................. para fugirem. Ter................ felpudos, e bravos ..........ga a elles se encrespão todos, e investem.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Um nosso companheiro chamado João Antonio achou em as ruinas de huma casa hum dinheiro de ouro, figura esferica, maior que as nossas moedas de seis mil e quatro centos: de huma parte com a imagem, ou figura de hum moço posto de joelhos; e da outra parte hum arco, huma coroa, e huma setta, de cujo genero não duvidamos se ache muito na dita povoação, ou cidade desolada, porque se foi subverção por algum terremoto, não daria tempo o repente a pôr em recato o precioso; mas he necessario um braço muito forte, e poderoso para revolver aquelle entulho calçado de tantos annos, como mostra.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Estas noticias mando a Vm. d’este certão da Bahia, e dos rios Paracaçú, Unã, assentando não darmos parte a pessoa alguma, por que julgamos se despovoarão villas, e arraiaes; mas eu a Vm. a dou das minas que temos descoberto, lembrado do muito que lhe devo.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Supposto que da nossa companhia sahio já hum companheiro com pretexto differente, com tudo peço a Vm. largue essas penurias, e venha utilizar-se d’estas grandezas, usando da industria de peitar esse indio, para se fazer perdido e conduzir a Vm. para estes thesouros, &</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">c..............................................charão nas entradas..................bre lages.............</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i>(*) Apud livro Esqueleto na Lagoa Verde – Ensaio sobre a vida e o sumiço do coronel Fawcett, de Antonio Callado. Embora não haja prova, acredita-se que o Coronel Fawcett, um explorador inglês que tinha desde criança a curiosidade por descobertas improváveis, tenha lido esse manuscrito e tenha ido, com mais dois amigos, em busca dessa cidade abandonada no interior, possivelmente, da Bahia, algo que nunca se comprovou existir. Fawcett foi assassinado nessa busca, em 1925 e, em 1952, os Diários Associados patrocinaram a viagem de busca de um túmulo onde ele poderia estar enterrado. Leia o texto de Antonio Callado, OS OSSOS NÃO ERAM DO CORONEL FAWCETT, neste mesmo blog. (Nota do blog)</i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração: Primeira página do manuscrito - foto da Fundação Biblioteca Nacional)</span></div><div style="text-align: justify;"><br /></div> Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-69254745140403394172024-02-19T06:57:00.000-08:002024-02-19T06:57:37.055-08:00OS TRÊS NOMES DO GATO, Lázaro Barreto<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgT_PhFcYnP0qf_wiOwBDWYauKUcyAlDM0OK5ifn25TunR-IVyl12O6f02V582Mfe4NjDzVKaDFTudZnrHqvyRADtDVpXOeQRHA6dnsL9bG-XLfko0rmIxToMLrzB6OajxScFyG8sJTbsoJGLJlMcqhiV6GER4YOw8zIj9l4zVO4jMPb3KqC0v1wIT1rrQ/s1064/xfig%20gatos%20-%20Hiroaki%20Takahashi%20(Shotei)%20-%20chat%20blanc%201924%20X.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="599" data-original-width="1064" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgT_PhFcYnP0qf_wiOwBDWYauKUcyAlDM0OK5ifn25TunR-IVyl12O6f02V582Mfe4NjDzVKaDFTudZnrHqvyRADtDVpXOeQRHA6dnsL9bG-XLfko0rmIxToMLrzB6OajxScFyG8sJTbsoJGLJlMcqhiV6GER4YOw8zIj9l4zVO4jMPb3KqC0v1wIT1rrQ/s320/xfig%20gatos%20-%20Hiroaki%20Takahashi%20(Shotei)%20-%20chat%20blanc%201924%20X.jpg" width="320" /></a></div><br /><p class="MsoListParagraph" style="margin-left: 54pt; text-align: center; text-indent: -18pt;"><br /></p>
<span style="font-family: georgia;"><br /><br /><div style="text-align: right;"><i>(Paráfrase de um poema de T. S. Eliot)</i></div><div style="text-align: right;"><br /></div> <br /><br /><b>Dar nome aos gatos não é tarefa fácil nem fútil. </b><br /><br /><b>Muitas vezes quando digo que o gato deve ter </b><br /><br /><b>TRÊS NOMES DIFERENTES, </b><br /><br /><b>olham-me de novo, julgam-me biruta. </b><br /><br /><b>Mas assim é, por mais que estranhem e gozem. </b><br /><br /><b>Primeiro o nome corrente, de uso da família, </b><br /><br /><b>que pode ser Poetinha, Alípio ou Conceição. </b><br /><br /><b>Depois o escolhido de pessoas refinadas </b><br /><br /><b>(extravagantes ou mesmo sóbrias), </b><br /><br /><b>como Menelau, Polonaise ou Pixinguinha. </b><br /><br /><b>Por último o mais íntimo e solitário, </b><br /><br /><b>que ele mais necessita para manter o orgulho, </b><br /><br /><b>esticar os bigodes, enrodilhar-se na cadeira </b><br /><br /><b>ou pular o muro como num vôo retilíneo, </b><br /><br /><b>que pode ser Diadorim, Caracóia ou Ana Lívia Plurabelle, </b><br /><br /><b>nome </b><b>que nenhum outro gato ostenta. </b><br /><br /> <br /><br /><b>Mas além desses e acima de tudo e de todos </b><br /><br /><b>Há um nome especial a preferir </b><br /><br /><b>– e esse ninguém nunca saberá. </b><br /><br /><b>É o nome que nenhuma pesquisa pode descobrir, </b><br /><br /><b>e que só o próprio gato sabe, </b><br /><br /><b>e que nunca dirá a ninguém. </b><br /><br /><b>Assim </b><br /><br /><b>Se você vir um gato em profunda meditação, </b><br /><br /><b>Os olhos abertos mas cegos, as unhas em inocente repouso, </b><br /><br /><b>a razão é sempre a mesma: </b><br /><br /><b>sua mente está ocupada na contemplação de seu profundo </b><br /><br /><b>e inescrutável e singular NOME. </b><br /><br /> <br /><br />(Ilustração: Hiroaki Takahashi (Shotei) - chat blanc, 1924)</span>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-57916293130369174612024-02-16T06:31:00.000-08:002024-02-16T06:31:08.637-08:00OS OSSOS NÃO ERAM DO CORONEL FAWCETT, de Antonio Callado<p style="text-align: center;"> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjl98LK7NEfNsWoObE_I4LVXe8fvC6hrDq3tMwWnX4ebzGXb5Mki_CmMWz9GXUYySFv6uIo6iuZFwwnRJ6i_BRnJu6ZOxwu5WF62f2xAlsJkqJYM6Jz624Rg3vvumSNJ8t_XSd25tFoxbGEuOWZDvkDZ5PbxU4u3eURBoSxdk3MqNP887me6JMCpDP-MeI/s1031/1111952%20Orlando%20Vilas%20B%C3%B4as%20dois%20%C3%ADndios%20e%20a%20suposta%20ossada%20de%20Fawcett.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="793" data-original-width="1031" height="246" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjl98LK7NEfNsWoObE_I4LVXe8fvC6hrDq3tMwWnX4ebzGXb5Mki_CmMWz9GXUYySFv6uIo6iuZFwwnRJ6i_BRnJu6ZOxwu5WF62f2xAlsJkqJYM6Jz624Rg3vvumSNJ8t_XSd25tFoxbGEuOWZDvkDZ5PbxU4u3eURBoSxdk3MqNP887me6JMCpDP-MeI/s320/1111952%20Orlando%20Vilas%20B%C3%B4as%20dois%20%C3%ADndios%20e%20a%20suposta%20ossada%20de%20Fawcett.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Inocência também pega. Logo que a gente chega ao Posto Culuene, da Fundação Brasil Central, o choque demasiado bruto paralisa o raciocínio. A gente só sabe que saiu da cidade de São Paulo, num aparelho monomotor, umas sete horas antes: como é possível que agora, à beira daquele rio, homens e mulheres estranhos, mongoloides, inteiramente nus, cerquem o avião?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Mas inocência pega. Ao cabo de duas horas não estamos mais empenhados em fingir que não reparamos na nudez dos índios. Passamos, ao contrário, a encará-la com naturalidade. E a vitória foi puramente da inocência deles, da candura e falta de malícia deles. De toda a nossa indumentária — das botas ao chapéu — os índios e as índias só prezam uma coisa: a camisa, que protege dos mosquitos. Tudo mais que usamos é, portanto, incompreensível para eles. Mas dizendo “incompreensível” dizemos mal. Por que haveriam eles de tentar compreender a razão de andarmos com tantos panos em cima da pele? Acaso perguntam ao poraquê por que dá choques ou à onça por que tem pelo? O que não lhes ocorrerá jamais é que tenhamos motivos psicológicos para usar roupa, ou que, por termos começado um dia a usar roupa, não a possamos mais abandonar por motivos psicológicos.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O índio (a menos que já tenha sido civilizado) não faz perguntas embaraçosas pelo simples fato de não conhecer o embaraço. É uma criança. Ainda vive aquém do Bem e do Mal.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Mas como se explica então que aqueles índios que nos maravilharam com sua castanha nudez e seu riso puro, ao chegarmos, sejam os mesmos que, através de cerrados e varjões, nos levaram à beira da lagoinha esverdinhada para nos apontar a cova de um homem que assassinaram? Como estão aquém do Bem e do Mal se mataram e esconderam o morto, como qualquer criminoso de novela policial? Haverá um erro de cronologia no Gênesis? O primeiro assassínio terá ocorrido antes da perda da inocência, antes da tentação da serpente? É no capítulo 3 que a gente encontra:</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Viu, pois, a mulher que a árvore era boa para comer, e formosa aos olhos, e deleitável à vista: e tirou do fruto dela, e comeu e deu a seu marido, que também comeu.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">No mesmo ponto se lhes abriram os olhos; e tendo conhecido que estavam nus, coseram umas folhas de figueira, e fizeram para si umas cintas.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Só no capítulo seguinte vamos encontrar o homicídio que é o ponto de partida da história da humanidade: “Caim porém disse a seu irmão Abel: Saiamos fora. E quando ambos estavam no campo, investiu Caim com seu irmão Abel, e matou-o”.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">É bem verdade que as índias calapalos, se não cosem folhas de figueira, trançam a fibra e recortam o broto do buriti para fazerem seu uluri. Mas o uluri é um “cache-sexe” simbólico. Tem um significado cultural, mas nada tem a ver com o pudor e nada oculta. Quanto aos índios calapalos, estes não cosem coisa nenhuma. E no entanto matam, matam fora da guerra, matam e quando se lhes pergunta onde está o morto também dizem: “Não sei. Acaso sou eu o guarda de meu irmão?”.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Durante meses a fio Orlando Villas Boas, o maior amigo branco que têm os calapalos, interrogou-os pacientemente acerca do explorador inglês desaparecido. Quando os calapalos desconversavam, aborrecidos, o sertanista falava noutra coisa. Um dia, quando todos fumavam no terreiro, Villas Boas aguilhoou Cuiuli, um dos índios mais velhos dos calapalos.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Aposto como você não sabe onde estão os ossos do coronel Fawcett.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Sei! — foi a resposta.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Se sabe me leve lá.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Os índios se entreolharam. Villas Boas, que já explorara a vaidade intelectual do que orgulhosamente dissera saber, explorou a vaidade física de todos os chefes.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Dou aos chefes calapalos uma arara vermelha se me levarem aonde estão os ossos.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Os chefes se viram todos de penas encarnadas na orelha. De mais a mais, se confiam em algum caraíba confiam em Villas Boas, e este já se cansara de lhes dizer que os outros caraíbas não estavam mais “brabos” com a morte do “ingueresi”. Só queriam era saber como tinha ele morrido. Os índios o levaram então para uma lagoinha entre o rio Culuene e seu afluente Tanguru. Subiram um barranco e, entre o chão limoso e as árvores folhudas, o atual cacique dos calapalos, o índio Cumatsi, falou das 11h15 da manhã às 2h30 da tarde, contando como ali haviam sido assassinados três homens — aparentemente Fawcett, seu filho Jack e um amigo deste, Raleigh Rimmell. Depois disse ao sertanista:</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Cava.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Não foi preciso cavar mais de meio metro. Não era um túmulo. Era um apressado buraco, aberto sem dúvida havia muitos anos, e nele, sujos de terra e já meio enleados em raízes, uma caveira e um montão de ossos. Comprovava-se, afinal, a morte do coronel Fawcett.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Isso tudo ocorria em abril de 1951. No entanto, quando lá estivemos nós em janeiro de 1952, convidados pelo sr. Assis Chateaubriand para integrar, pelo Correio da Manhã, a expedição formada pelos Diários Associados e cujo centro era Brian Fawcett, filho do explorador desaparecido, já então sabíamos que os ossos não eram do coronel Fawcett.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Tanto o Royal Anthropological Institute, de 21 Bedford Square, em Londres, como os antropólogos do Museu Nacional de S. Cristóvão concordavam num ponto básico. Aqueles eram os restos mortais de um homem bem mais baixo do que o coronel Fawcett, que media 1,86 metro (seis pés e meia polegada). Segundo o Royal Anthropological Institute, os ossos examinados eram de um homem de 1,70 metro (cinco pés e sete polegadas), e, segundo o laudo do dr. Tarcísio Messias, do Museu Nacional, o cálculo feito pelo comprimento dos fêmures, cúbitos e rádios dá uma altura de 1,66 metro ou 1,68 metro. A dentadura sobressalente deixada por Fawcett na Inglaterra também não se ajustava à mandíbula da caveira. Mas bastava a prova da altura para pôr fora de combate o coronel Fawcett. Ora, segundo Brian Fawcett, seu irmão Jack era mais alto do que o pai, e Raleigh Rimmel, o mais baixo dos três, seria homem de 1,78 ou 1,80 metro (cinco pés e dez-onze polegadas).ª Ademais, a pertencer a um dos três exploradores, os ossos deviam ser, efetivamente, do coronel Fawcett, pois as suturas do crânio, segundo o laudo do Museu Nacional, fazem supor que a ossada fosse de um homem maduro. Jack e Raleigh tinham ambos menos de 25 anos.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i>Nota</i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i>a- Foi pena que Brian Fawcett não trouxesse consigo comprovantes das respectivas alturas dos três membros da expedição. Como ele era um tanto vago a respeito de Rimmell, pedimos a W. W. Copeland, que dirige a U. P. no Rio, que procurasse apurar em Londres qual era a estatura de Raleigh Rimmel. </i></span><i style="font-family: georgia; font-size: small;">Copeland fez gentilmente a busca, mas não encontrou informantes.</i></div><div style="text-align: justify;"><i style="font-family: georgia; font-size: small;"><br /></i></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(<u>Esqueleto na Lagoa Verde – Ensaio sobre a vida e o sumiço do coronel Fawcett</u>)</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração: 1952 Orlando Vilas Bôas, dois índios Kalapalo e a suposta ossada de Fawcett; foto da internet sem indicçao de autoria)</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-54441899278290201152024-02-13T06:33:00.000-08:002024-02-13T06:33:57.795-08:00THE NAMING OF CATS / O NOME DOS GATOS, de T. S. Eliot<p style="text-align: center;"> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjv-8X2kLQiAf8qWDg6b9CL9JLCF_xioyzjmcLWjqKZGDpIzo83OhZzqL6vnyxg3WLArgQsor28ggNlLxU_HoSq8oyl3bSeES8z_9rVI7AXOS6YlxlUdnIwHiulwhXkbQOB6nWDJWU3Fv3FtWi1hkLX7-3mzwomieE6MgrnSV53_L4tPq9F2mNiXS8g81g/s2000/xfig%20gatos%20-%20August%20Renoir%20-%20Le%20jeune%20gar%C3%A7on%20au%20chat%20X.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2000" data-original-width="1116" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjv-8X2kLQiAf8qWDg6b9CL9JLCF_xioyzjmcLWjqKZGDpIzo83OhZzqL6vnyxg3WLArgQsor28ggNlLxU_HoSq8oyl3bSeES8z_9rVI7AXOS6YlxlUdnIwHiulwhXkbQOB6nWDJWU3Fv3FtWi1hkLX7-3mzwomieE6MgrnSV53_L4tPq9F2mNiXS8g81g/s320/xfig%20gatos%20-%20August%20Renoir%20-%20Le%20jeune%20gar%C3%A7on%20au%20chat%20X.jpg" width="179" /></a></div><br /><b style="font-size: 12pt; text-align: justify; text-indent: -18pt;"><span style="font-family: georgia;"> </span></b><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">The Naming of Cats is a difficult matter,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>It isn’t just one of your holiday
games;<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">You may think at first I’m as mad as a hatter<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">When I tell you, a cat must have THREE DIFFERENT NAMES.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">First of all, there’s the name that the family use daily,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Such as Peter, Augustus, Alonzo or
James, <o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Such as Victor or Jonathan, George or Bill Bailey –<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>All of them sensible everyday
names.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">There are fancier names if you think they sound sweeter,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Some for the
gentlemen, some for the dames:<o:p></o:p></span></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Such as Plato, Admetus,
Electra, Demeter –<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">But all
of them sensible everyday names.<o:p></o:p></span></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">But I tell you, a cat needs a name that’s particular,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A name that’s peculiar, and more
dignified,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Else how can he keep up his tail perpendicular,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Or spread out his whiskers, or
cherish his pride?<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Of names of this kind, I can
give you a quorum,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Such as Munkustrap, Quaxo, or Coricopat,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Such as Bombalurina, or else
Jellylorum –<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Names
that never belong to more than one cat.<o:p></o:p></span></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">But above and beyond there’s still one name left over,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>And that is the name that you
never will guess;<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">The name that no human research can discover –<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>But THE CAT HIMSELF KNOWS, and
will never confess.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">When you notice a cat in profound meditation,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>The reason, I tell you, is always
the same:<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">His mind is engaged in a rapt contemplation<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Of the thought, of the thought, of
the thought of his name:<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>His ineffable effable<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Effanineffable<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Deep and inscrutable singular Name.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><u><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: georgia;">Tradução de Ivan
Junqueira :<b><o:p></o:p></b></span></span></u></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Dar nome aos gatos é um
assunto traiçoeiro,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">E não um jogo que entretenha
os indolentes;<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Pode julgar-me louco como o
chapeleiro,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Mas a um gato se dá TRÊS
NOMES DIFERENTES.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Primeiro, o nome por que o
chamam diariamente,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Como Pedro, Augusto,
Belarmino ou Tomás<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Como Victor ou Jonas, Jorge
ou Clemente<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">– Enfim nomes discretos e
bastante usuais.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Há mesmo os que supomos soar
com som mais brando,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Uns para damas, outro para
cavalheiros,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Como Platão, Admetus,
Electra, Demétrio<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Mas são todos discretos e
assaz corriqueiros<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Mas a um gato cabe dar um
nome especial<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Um que lhe seja próprio e
menos correntio:<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Se não como manter a cauda
em vertical,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Distender os bigodes e
afagar o brio?<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Dos nomes desta espécie é
bem restrito o quorum,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Como Quaxo, Munkunstrap ou
Coricopato,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Como Bombalurina, ou mesmo
Jellylorum…<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Nomes que nunca pertencem a
mais de um gato.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Mas, acima e além, há um
nome que ainda resta,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Este de que jamais ninguém
cogitaria,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">O nome que nenhuma ciência
exata atesta<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">SOMENTE O GATO SABE, mas
nunca o pronuncia.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Se um gato surpreenderes com
ar meditabundo,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Saibas a origem do deleite
que o consome:<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Sua mente se entrega ao
êxtase profundo<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">De pensar, de pensar, de
pensar em seu nome:<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Seu inefável afável<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Inefanefável<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Abismal, inviolável e
singelo Nome.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="FR" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração : August Renoir - Le jeune
garçon au chat)</span><span style="font-family: Book Antiqua, serif;"><o:p></o:p></span></span></p>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-26371662343622390762024-02-10T10:36:00.000-08:002024-02-10T10:36:10.794-08:00EU NÃO ERA MAIS FILHO ÚNICO, de Abdourahman A. Waberi<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhcC43eZemWtQ_nUIfEbdMBzWyZdp8mf-JSpFCnzoChfmcfp7w4WIOd2kIqTWH6qaDIbfLrZTV0WqGnp89e_JiGpq7LMT4cZbqR3uhAcmjX3O8XaqyOpug8lxJI6_2gxYyPO3JAAUdeDdiKu5fmLwupylyezP45Bn11x9hNWgzBp05RD4BoGxAluqdJz9Q/s846/xfig%20odette%20dalp%C3%A9%20-%20retratos%2017%20S.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="846" data-original-width="564" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhcC43eZemWtQ_nUIfEbdMBzWyZdp8mf-JSpFCnzoChfmcfp7w4WIOd2kIqTWH6qaDIbfLrZTV0WqGnp89e_JiGpq7LMT4cZbqR3uhAcmjX3O8XaqyOpug8lxJI6_2gxYyPO3JAAUdeDdiKu5fmLwupylyezP45Bn11x9hNWgzBp05RD4BoGxAluqdJz9Q/s320/xfig%20odette%20dalp%C3%A9%20-%20retratos%2017%20S.jpg" width="213" /></a></div><br /><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Mamãe voltou uma tarde em que o céu estava com boa cara. Não estava só. Transportava alguma coisa numa cestinha protegida do sol por uma coberta semelhante a esses tecidos de juta utilizados pelas mulheres do interior que apareciam lá em casa para vender os gêneros que todo filho de nômade aprecia: leite de camela, manteiga clarificada, manta de carne de camela seca e temperada com pérolas de sal, ovos de avestruz. O fino do fino era a bossa do dromedário cortada em dados que de longe pareciam pequenos tabletes de sabão transparente. Meu pai separava os tecidos mais bonitos para depois vendê-los aos turistas apreciadores do artesanato tradicional.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Pois veja, Béa, não se tratava de uma cesta, mas de um berço minúsculo, tão minúsculo que dava a impressão de desaparecer nos braços da minha mãe. O produto embrulhado com tanta precaução, não tinha nada a ver com carne de caça ou bossa de camelo destinada a excitar as papilas gustativas dos citadinos nostálgicos da savana. Foram os youyous das vizinhas que me deixaram com a pulga atrás da orelha. O berço não continha uma iguaria especial. Já não havia dúvida possível: soluços quase imperceptíveis chegavam até mim. Mamãe tinha feito a mala para um destino mantido em segredo e agora voltava precedida das manifestações de atenção de todas as mulheres do bairro, que acorreram atendendo a um sinal que escapara à minha vigilância. Se não estivéssemos em pleno meio-dia, eu teria pensado que elas haviam se comunicado com a ajuda de lanternas-de-tempestade de pavio longo, utilizando um código sofisticado cuja decifração escapara ao meu entendimento. Não era porque eu acabava de ter acesso à leitura graças a Madame Annick que eu teria podido decifrar facilmente o método de comunicação das mulheres do bairro. Fosse como fosse, todas haviam comparecido àquele encontro intempestivo ou planejado havia muito tempo. Elas não pareciam registrar minha presença, de tão ocupadas que estavam em elogiar e inspecionar cada dobra de pele, cada osso e cada cabelo da cabeça daquele pequeno ser que minha mãe, trêmula de emoção, segurava nos braços. Uma matrona enxugou o rosto de Zahra com um trapo extraído de seus seios fartos e depois assoou com ele o nariz da minha mãe, porque ela não podia se permitir largar por um instante que fosse o seu bebê ou mesmo entregar o cesto a outra senhora, como costumava fazer comigo quando eu chorava, para poder se assoar com a maior tranquilidade do mundo. Outra matrona que acabava de entrar na casa veio dar dois beijos longos, estalados e sonoros nas bochechas estriadas de lágrimas de minha mãe, lágrimas que eu adivinhava quentes como podia estar o mar na praia dos Tritons no ápice do calor.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Observando todas as mulheres aglomeradas ao redor do bebê recém-chegado àquele nosso recanto da terra, entendi um pouco melhor o chamado instinto maternal, que dispensa palavras. Claro que eu não falava do jeito que estou falando agora, Béa, você pode imaginar, mas chegava intuitivamente ao cerne da relação entre um bebê e sua mãe ou seu pai. Acho que essa relação supera todas as relações que tenhamos conhecido no passado. Os pais ideais não têm expectativa alguma sobre a progenitura. Estão lá apenas para o bem de seus filhos. Para suas transformações, sua felicidade. Reconheço que não é esse o procedimento adotado pela maioria dos pais que eu conheci e ainda conheço, mas é guiado por ele que eu me vejo, ao lado de sua mãe Margherita, de sua avó Carlotta, dos seus irmãos mais velhos, Yacine e Elmi, de seu avô Salvatore.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">A matrona que havia chegado por último conversava com vovó Cochise, que por sua vez redobrava suas atenções para com minha mãe, a quem repreendia como se minha mãe fosse uma menina e não a esposa de seu filho mais velho, para ela o bem mais precioso do mundo. Minha avó se chamava Nadifa, embora eu nunca tivesse ouvido ninguém chamá-la por esse nome. Para mim, ela era a avó Cochise. Sempre seria a avó Cochise. Para os outros, era a Anciã, e todos rezavam em silêncio quando a ouviam chegar. Ou seja: ela suscitava medo e respeito.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O regresso de minha mãe atraiu boa parte das mulheres do bairro. O conciliábulo que a cercava havia começado uma boa hora antes, mas mesmo assim nenhuma matrona ousava se afastar do berço. Juntas, pareciam galinhas cacarejando em torno da mãe e de seu recém-nascido, enquanto duas velhas de lábios emaciados se uniam para desvendar os segredos da vida e as chaves do destino.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Tinham a missão de acalmar os espíritos dos mortos antes que o recém-nascido emitisse seus primeiros vagidos dentro da casa onde a partir de agora faria seus cocôs, daria seus arrotos, ensaiaria os primeiros passos. O conciliábulo se prolongava e ninguém via nada de alarmante nisso. As galinhas cacarejavam sem interrupção. Mamãe transpirava como uma muçarela.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Quando as especialistas em ciência das trevas encerraram sua entrevista particular, era quase noite. As vizinhas foram saindo uma a uma, erguendo lampiões à altura dos ombros. Demorei algum tempo para reparar que fazia mais de duas horas que o bairro estava mergulhado na escuridão. O mecânico-chefe da EDD, a companhia elétrica do Djibuti, teria se esquecido de ligar o interruptor geral? Teria ido curar sua ressaca de khat com a cabeça entre as coxas da amante? Seus assistentes teriam ficado sem coragem de acordá-lo? Foi nesse ambiente um pouco feérico por causa da obscuridade e do zumbido dos lampiões que meu irmão caçula deu seu primeiro grito.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Me levantei de um salto, Béa, eu que habitualmente sou lento no gatilho, para pular no pescoço da minha mãe, que secava lágrimas abundantes.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Tive tempo de observar de perto o meu novo coinquilino.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">A pele de seu bumbum era macia e franzida.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Olhos próximos um do outro e a boca fazendo bico.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Ele já sabia vagir suficientemente alto para ter minha mãe sob seu jugo.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">A julgar por suas pernas a balançar com energia, meu coinquilino era de uma têmpera diferente da minha.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Certamente, seria tão dinâmico quanto eu era frágil. E tão vigoroso quanto eu era doentio.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">A noite foi uma prorrogação da tarde: vizinhos se revezavam para felicitar meu pai, que acabava de chegar. Eu não ouvira o pipoco de sua Solex; devia estar com a cabeça longe. No dia seguinte um imã veio abençoar meu coinquilino. Claro, foi minha avó quem soprou à orelha do religioso o nome de batismo. Tia Dayibo ficou perto do imã a tarde inteira. Depois de cada reza, ela agitava seu terço com espalhafato. Minha mãe parecia muito frágil em seu vestido novo. Papai la Tige estava impecável em seu terno de três peças. Quanto a mim, eu tinha os pés tão apertados pelo sapato, que estava prestes a desmaiar.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Eu te deixo em muito boas mãos, Ossobleh!”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Foi assim que o imã se despediu, para grande desgosto da minha tia, que derramou uma derradeira lágrima.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Bem-vindo ao mundo, Ossobleh!”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Foi assim que os vizinhos, por sua vez, se retiraram.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Ossobleh, tu serás forte como uma rocha!” Foi assim que minha avó encerrou a cerimônia.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Não me lembro mais do resto.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Eu tinha ido dormir.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Vovó se esqueceu de me contar uma história.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Ninguém veio me desejar boa-noite.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Ossobleh chorava à noite.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Eu não era mais filho único.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(<u>Por que você dança quando anda</u>?; tradução de José Almino)</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div> <div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração: Odette Dalpé: retratos) </span></div>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-86897511803477164372024-02-07T06:58:00.000-08:002024-02-07T06:58:31.435-08:00VISITAÇÃO, de Flá Perez<p> </p><div style="text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgXdGziYJU1Tqa2rQczQADfAbkwcrfTNaKU8LlSk7ciwYl6PwxvkEjrxkNLWT4gt58bRDQHhVAkphBpAKoEgveT6ErWLr_xHqKW-8xR0VWJ8dfhdDLKYTsgRlYMDWG_6fpI0I2-M6EgQpP8meuI_K6M_GNFoDdHvDfNfydQPW6HWLJYB3IlX5AgfGnufAA/s1100/xde%20Apollonia%20Saintclair_La-visite-galante-Enjoying-the-visit_.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1100" data-original-width="745" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgXdGziYJU1Tqa2rQczQADfAbkwcrfTNaKU8LlSk7ciwYl6PwxvkEjrxkNLWT4gt58bRDQHhVAkphBpAKoEgveT6ErWLr_xHqKW-8xR0VWJ8dfhdDLKYTsgRlYMDWG_6fpI0I2-M6EgQpP8meuI_K6M_GNFoDdHvDfNfydQPW6HWLJYB3IlX5AgfGnufAA/w271-h400/xde%20Apollonia%20Saintclair_La-visite-galante-Enjoying-the-visit_.jpg" width="271" /></a></div><br /><span style="font-family: georgia; font-weight: 700;"><br /></span></div><span style="font-family: georgia;"> <br /><br /><b>A meus pés ajoelhado </b><br /><br /><b>um pobre-diabo </b><br /><br /><b>minh'alma suplica e conjura. </b><br /><br /> <br /><br /><b>Lambe minhas pernas, </b><br /><br /><b>sobe, me desfalece, </b><br /><br /><b>enquanto por todas as frestas </b><br /><br /><b>procura. </b><br /><br /> <br /><br /><b>Digo a ele, em meio a gemidos: </b><br /><br /> <br /><br /><b>— Pobre-Diabo, foste promovido. </b><br /><br /><b>Dou-te essa coisa que pulsa </b><br /><br /><b>um palmo acima do umbigo. </b><br /><br /> <br /><br /><b>— Isto já me pertence, só tu não sabias. </b><br /><br /><b>Não lutes comigo. </b><br /><br /><br /><br /><b>E vasculhou os infernos </b><br /><br /><b>entre minhas coxas </b><br /><br /><b>enquanto sorria. </b><br /><br /> <br /><br /><b>Via, sei que via minh'alma </b><br /><br /><b>mas não mais pedia. </b><br /><br /> <br /><br /><br />(Ilustração : Apollonia Saintclair: La visite galante; Enjoying the visit) <br /></span><br /> Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-4459160680107794142024-02-04T07:00:00.000-08:002024-02-04T07:00:43.350-08:00O PESADELO DA LEGENDÁRIA CANTORA POPULAR VINA APSARA, de Salman Rushdie<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCePpoW5AOCIHNWNFMNrx4uLtkg8zf-ixmsLARAHuUUpZ8pxOJkukfO62w2wFoqatbOVZKhjIIgE47buzYSgoemqnZioKrRTvC4FreAssrf0bAG7uMmvNkfWyo4aUEyKQe4H4RuRD_bvMJrBXuJ6A1UovuSB6Ixk1zLojmqhfWWkX042ycb0TAlMZ5CRI/s1024/xfig%20Henry%20Fuseli%20-The-Nightmare-II.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="830" data-original-width="1024" height="259" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCePpoW5AOCIHNWNFMNrx4uLtkg8zf-ixmsLARAHuUUpZ8pxOJkukfO62w2wFoqatbOVZKhjIIgE47buzYSgoemqnZioKrRTvC4FreAssrf0bAG7uMmvNkfWyo4aUEyKQe4H4RuRD_bvMJrBXuJ6A1UovuSB6Ixk1zLojmqhfWWkX042ycb0TAlMZ5CRI/s320/xfig%20Henry%20Fuseli%20-The-Nightmare-II.jpg" width="320" /></a></div><br /><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">"No Dia dos Namorados de 1989, último dia de sua vida, a legendária cantora popular Vina Apsara acordou chorando de um sonho em que era a vítima de um sacrifício humano. Homens de torso nu, parecidos com o ator Christopher Plummer, prendiam-lhe os pulsos e tornozelos. Estava estendida, nua, se retorcendo, em cima de uma pedra polida entalhada com a imagem do pássaro-serpente Quetzalcoatl. A boca aberta da serpente emplumada circundava uma reentrância escura da pedra, e embora sua própria boca estivesse escancarada, gritando, o único barulho que ouvia era o espoucar de flashes; mas antes que pudessem cortar sua garganta, antes que sua vida borbulhasse para aquele cálice terrível, ela acordou, ao meio-dia, na cidade de Guadalajara, México, numa cama desconhecida, com um estranho meio morto a seu lado, um mestiço nu de pouco mais de 20 anos, identificado pela interminável cobertura da imprensa posterior à tragédia como Raúl Páramo, o playboy herdeiro de um conhecido barão da construção civil local, dono, entre outras, da empresa que possuía o hotel.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Tinha suado muito e os lençóis ensopados recendiam ao vazio sem sentido daquele encontro noturno. Raúl Páramo estava inconsciente, a boca branca, o corpo sacudido, a cada poucos minutos, por espasmos que Vina reconheceu idênticos ao seu retorcer do sonho. Momentos depois, ele começou a fazer uns barulhos assustadores com a traqueia, como se alguém estivesse lhe cortando a garganta, como se seu sangue fosse escorrer pelo sorriso escarlate de uma ferida invisível para dentro de um cálice fantasma. Em pânico, Vina saltou da cama e agarrou as roupas, a calça de couro e o bustiê de lantejoulas douradas com que, na noite anterior, tinha encerrado sua apresentação no palco de um centro de convenções da cidade. Arrogante, desesperada, entregara-se a esse joão-ninguém, a esse menino com menos da metade de sua idade, pescado, mais ou menos ao acaso, da multidão de trás do palco, os conquistadores de sala de espera, os admiradores caprichados com buquês de flores, os magnatas da indústria, os aristotrastes, os reis da droga, os príncipes da tequila, todos com limusines e champanhe e cocaína e talvez até diamantes para oferecer à estrela da noite.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O sujeito se apresentou, exibido, abanando o rabo, mas ela não queria saber nem o nome dele, nem o tamanho de sua conta bancária. Colheu-o como se fosse uma flor que queria prender entre os dentes, como se fosse uma refeição para viagem, e alarmou-o com a ferocidade de seus apetites, porque começou a devorá-lo assim que a porta da limo se fechou, antes mesmo que o chofer tivesse tempo de levantar a divisória que garantia a privacidade dos passageiros. Depois, ele, o chofer, falou com reverência de seu corpo nu e, quando os jornalistas o dobraram com tequila, murmurou coisas sobre aquela nudez possessiva e predatória como se fosse um milagre, quem diria que já passou dos 40, acho que alguém lá em cima queria que ela ficasse sempre do jeito que era. Eu faria qualquer coisa por uma mulher dessas, gemeu o chofer, dirigia a 200 por hora se ela quisesse velocidade, batia numa parede de concreto se o desejo dela fosse morrer.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Só quando saiu para o corredor do décimo primeiro andar do hotel, semivestida e confusa, tropeçando nos jornais não recolhidos, cujas manchetes sobre testes nucleares franceses no Pacífico e inquietação política na província sulista de Chiapas mancharam as solas de seus pés descalços com o gemido da tinta, só então ela entendeu que o apartamento que tinha deixado era o seu mesmo, que havia batido a porta e estava sem a chave, e foi sorte dela, naquele momento de vulnerabilidade, topar com uma pessoa que era eu, mr. Umeed Merchant, fotógrafo, apelidado "Rai", seu camarada, por assim dizer, desde os velhos dias de Bombaim, e o único fotógrafo num raio de mil e um quilômetros que nem sonharia em fotografá-la num tal estado adorável e escandaloso, todo o seu ser momentaneamente fora de foco, e, pior ainda, aparentando a idade, o único ladrão de imagens que nunca roubaria dela aquele ar assustado e perseguido, aquele desamparo congestionado e indiscutivelmente empapuçado, o chafariz embaraçado dos cabelos ressecados, tingidos de vermelho, sacudindo num topete de pica-pau, a boca adorável tremendo, insegura, com os pequenos fiordes impiedosos dos anos descendo, fundos, pelos cantos, o próprio arquétipo da louca deusa do rock a meio caminho da ruína e da desolação.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Ela decidira ficar ruiva para essa turnê porque à idade de 44 estava começando de novo: uma carreira solo, sem Ele, pela primeira vez nos muitos anos em que estava na estrada com Ormus, de forma que não era mesmo de surpreender que ela ficasse desorientada, desequilibrada quase o tempo todo. E solitária. Não tinha como não admitir. Vida pública ou vida privada, não faz diferença, esta é a verdade: quando ela não estava com ele, não importava com quem estivesse, estava sempre sozinha.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Desorientação: perda do Leste. E de Ormus Cama, seu sol.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">E não era só pura sorte ela topar comigo. Eu estava sempre ali, à sua disposição. Sempre cuidando dela, sempre à espera de seu chamado. Se ela quisesse, haveria dúzias como eu, centenas, milhares. Mas acho que era só eu. E da última vez que me pediu socorro eu não pude atender, e ela morreu. Encerrou no meio a história de sua vida, uma canção inacabada, abandonada na ponte, roubada do direito de acompanhar a letra de sua vida até a rima final e plena.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Duas horas depois que a resgatei do abismo sem fundo do corredor do hotel, um helicóptero nos levou para Tequila, onde don Ángel Cruz, dono de uma das maiores plantações de cacto agave azul e da famosa destilaria Ángel, um cavalheiro famoso pela amplitude de sua voz de contratenor, pelo volume da barriga e pela generosidade de sua hospitalidade, ia oferecer um banquete em homenagem a ela. Enquanto isso, o playboy amante de Vina tinha sido levado para o hospital, vítima de uma taque induzido por drogas que, de tão grave, acabou sendo fatal, e durante os dias seguintes, por causa do que aconteceu com Vina, o mundo recebeu análises detalhadas do conteúdo da corrente sanguínea, estômago, intestinos, escroto, órbitas, apêndice, cabelos do morto, na verdade de tudo, menos do cérebro, que não devia conter nada de interessante, e estava tão completamente diluído em narcóticos a ponto de ninguém entender suas últimas palavras, proferidas durante o delírio comatoso final. Alguns dias depois, porém, a informação chegou à Internet, onde um tarado por ficção fantástica de apelido elrond@rivendel.com, transmitindo do bairro Castro de San Francisco, explicou que Raúl Páramo estava falando orcish, a língua infernal inventada pelo escritor Tolkien para os criados do Senhor do Escuro Sauron: Ash nazg durbatutûk, ash nazg gimbatul, ash nazg thrakatulûk agh burzum-ishi krimpatul. Depois disso, os boatos sobre práticas satânicas, talvez saurônicas, espalharam-se incontrolavelmente pela rede. O que circulava era que o amante mestiço seria adorador do diabo, servidor do Submundo jurado de sangue, que havia dado a Vina Apsara um anel sem preço, porém maligno, que provocou a tragédia e arrastou-a para o Inferno. Mas a essa altura Vina já estava passando para a lenda, transformando-se num recipiente em que qualquer idiota podia derramar suas bobagens, ou, digamos, um espelho da cultura, e podemos melhor entender a natureza dessa cultura se dissermos que encontrava o seu espelho mais verdadeiro num cadáver.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Um anel para a todos governar, um anel para encontrá-los, um anel para a todos trazer e na escuridão aprisioná-los. Sentei ao lado de Vina Apsara no helicóptero até Tequila, e não vi anel nenhum no dedo dela, a não ser o talismã de pedra da lua que ela sempre usava, seu elo com Ormus Cama, sua lembrança do amor."</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(<u>O Chão Que Ela Pisa</u>; tradução de José Rubens Siqueira).</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div> <div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração : Henry Fuseli - The-Nightmare II)</span></div>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-178742842851363962024-02-01T10:07:00.000-08:002024-02-01T10:13:51.636-08:00A UMA MULHER QUE SENDO VELHA SE ENFEITAVA, de Dom Tomás de Noronha<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgofDtLAGsfnl4kuYTRxMoKD2umND8Vyf7couAztHnCDgMzbgDGevYncbE3nlS7YrLqSHSYqeZmroLFSfxMSqxZkYLOLZ8JSg-9Z8Xl6Mtke-0KVEh0ciz6hmNtvDeQr00sLGJjqWqSEbk0k_ztSuD48iAs2t8nFPuxpsUT_J3v_kfFtKiXCHX3DCa8IYU/s1255/xfig%20Anthony%20van%20Dyck%20(1624)%20-%20portrait%20of%20Sofonisba%20Anguissola.webp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1255" data-original-width="984" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgofDtLAGsfnl4kuYTRxMoKD2umND8Vyf7couAztHnCDgMzbgDGevYncbE3nlS7YrLqSHSYqeZmroLFSfxMSqxZkYLOLZ8JSg-9Z8Xl6Mtke-0KVEh0ciz6hmNtvDeQr00sLGJjqWqSEbk0k_ztSuD48iAs2t8nFPuxpsUT_J3v_kfFtKiXCHX3DCa8IYU/s320/xfig%20Anthony%20van%20Dyck%20(1624)%20-%20portrait%20of%20Sofonisba%20Anguissola.webp" width="251" /></a></div><br /><p class="MsoListParagraph" style="margin-left: 54pt; text-align: justify; text-indent: -18pt;"><br /></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;"><b><span style="font-family: georgia;">Escuta, ó Sara, pois te
falta espelho</span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Para ver tuas faltas,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Não quero que te falte meu
conselho<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Em presunções tão altas;<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Lembro-te agora só, que és
terra, e lodo,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">E em terra hás de tornar-te
deste modo,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Mas não te digo, nem te
lembro nada,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Porque há muito, que em
terra estás tornada.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Que importa, que algum tempo
a prata pura<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">De tuas mãos nascesse,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">E que de teus cabelos a
espessura<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">As minas de ouro desse,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Se o tempo vil, que tudo
troca, e muda,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Somente de ouro pôs por mais
ajuda<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Em tuas mãos de prata o
amarelo,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">E a prata de tuas mãos em
teu cabelo.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Se um tempo foram de marfim
brunido<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">No século dourado,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Não vês, que o tempo as tem
já consumido?<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Não vês, que as tem gastado?<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Deixa, Senhora, deixa os
vãos enredos,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Pois quando toco teus
nodosos dedos,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Me parece, que apalpo sem
enganos<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Cinco cordões de frades
Franciscanos.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Viciando a natureza com tuas
tintas,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Com pincéis delicados<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Jasmins, e rosas em teu
rosto pintas,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Deixa estes vãos cuidados,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Que quanto mais tua cara se
alvorota<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Máscara me pareces de
chacota,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">E se sem tintas, cuido neste
passo<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Que esta máscara está em
calhamaço.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Como pretendes pois com mil
enganos<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Vestir mil primaveras,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Se passou a primavera de
teus anos?<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Como não desesperas,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Se o tempo te pôs já no
Inverno frio,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Aonde toda fruta perde o
brio?<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Parecendo teu rosto, e
porque enfada,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Fruta, que se secou, noz
arrogada.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Se feitura de Deus Eva não
fora,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Dissera sem porfias<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Que de Eva foste mãe, velha
senhora,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Pois te sobejam os dias<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Para esta presunção, que
agora tenho;<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">E concluindo enfim, a
alcançar venho,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Pois alcançar não posso a
tua idade,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Que deves de ser mãe da
eternidade.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Parece que teus olhos por
consciência<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">A idade os tem metidos<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Em duas lapas fazendo
penitência;<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">E estão tão escondidos,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Que quando os vou buscar,
porque me choram<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Não acerto com o beco, onde
moram,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Porque o tempo os mudou seu
passo, e passo<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Da flor do rosto lá para o
cachaço.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Se a meus olhos despida te
ofereces,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Minha alma logo pasma,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">E estética nos ossos me
pareces,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Ou quando não fantasma;<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">E assim, senhora, se te vejo
em osso,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Com essa cara posta em tal
pescoço,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Me pareces, tirada a
cabeleira,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Em cima de um bordão uma
caveira.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Como ainda queres em
desatinos<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Dar a meninos mama:<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Se já contigo desmamei meninos?<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Deixa essa torpe fama,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Sabe que sei (e disto não me
gabo)<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Que te alugou sem dúvida o
diabo,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Invejando teu corpo, cara, e
dedos<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Para fazer a Santo Antão os
medos.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Deixa, senhora, deixa o vão
cuidado,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">A sagrado te acolhe,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Primeiro que te ponham em
sagrado;<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Este conselho escolhe,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Admite o que te digo sem
desgosto,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Que eu quando vejo teu
funesto rosto<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Já também dele o seu
conselho tomo,<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><b><span style="font-family: georgia;">Porque mudo me dá Memento
homo.<o:p></o:p></span></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b><span style="font-family: georgia;"> </span></b></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: georgia;">(<u>Fénix Renascida, V</u>)<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><span style="font-family: georgia;"> </span></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração: Anthony van Dyck (1624) - portrait of Sofonisba Anguissola)</span></span></p>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-43875382263847654042024-01-29T06:01:00.000-08:002024-01-29T06:01:19.882-08:00HISTÓRIA DAS MENTALIDADES, de Eduardo Marques da Silva<p> </p><p class="MsoListParagraph" style="margin-left: 54pt;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhr4-mt-Z9D0C87df50AxstDKMs0rZet2_WH-2rYMtzF9KHIwnQ83EX0roCBVxbaettORV4j69ybOAa2VVboRUhEyJpNK8SsscE3JB59hpu6WOHzrl_w1tk7ACdCiauUag1tAwbnWgziPssvZSaCoWiHXr1L5F9IebeL0-Fxlf1VE0j8N1U_I5d6zzuCUg/s3474/xfig%20Hieronymus%20Bosch%20(ca._1450-1516).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2055" data-original-width="3474" height="189" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhr4-mt-Z9D0C87df50AxstDKMs0rZet2_WH-2rYMtzF9KHIwnQ83EX0roCBVxbaettORV4j69ybOAa2VVboRUhEyJpNK8SsscE3JB59hpu6WOHzrl_w1tk7ACdCiauUag1tAwbnWgziPssvZSaCoWiHXr1L5F9IebeL0-Fxlf1VE0j8N1U_I5d6zzuCUg/s320/xfig%20Hieronymus%20Bosch%20(ca._1450-1516).jpg" width="320" /></a></div><br /><div style="text-align: center;"><br /></div><!--[if !supportLists]--><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">De acordo com Jacques Le Goff, temos novas maneiras de ler a História, principalmente a social. Tudo havia sido transformado, e novamente a maneira de perceber a História se modificava metodologicamente. Saber como se deu tudo acabava sendo mais um novidadeiro e estrondoso desafio, com novos pensadores do tempo historiográfico no mundo e para o mundo, com foco na História das Mentalidades. Para ele, mentalidade vai além da história. É, inicialmente, ir ao encontro de outras ciências humanas.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Segundo Le Goff, Marc Bloch reconhece no estudo das mentalidades da Idade Média uma ampla gama de crenças e de práticas – algumas legadas por magias milenares, outras nascidas em épocas relativamente recentes no seio da civilização animada de grande fecundidade mítica.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O historiador das mentalidades aproximar-se-á, pois, do etnólogo, visando a alcançar o nível mais estável das sociedades. Ernest Labrousse diz que o social é mais lento que o econômico e o mental mais ainda do que o social. Do estudo dos ritos, das práticas cerimoniais, o etnólogo remonta para as crenças, os sistemas de valores. Assim, os historiadores da Idade Média, após Marc Bloch, Percy Ernst Schramm, Ernst Kantorovicz, Bernard Guenée, por meio das sagrações, das curas milagrosas, das insígnias do poder, das recepções reais, descobriram uma mística monárquica, uma mentalidade política e renovaram a história política medieval.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Próximo do etnólogo, o historiador das mentalidades deve também se duplicar em sociólogo. Seu objeto é o coletivo. A mentalidade de um indivíduo histórico, sendo esse um grande homem, é justamente o que ele tem de comum com outros homens de seu tempo. O historiador de mentalidades encontra-se particularmente muito próximo do psicólogo social. As noções de comportamento ou de atitude são para este e para aquela essência.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">A Psicologia social inclina-se para a Etnologia e desta para a História. Dois domínios manifestam essa inclinação recíproca da história das mentalidades: os marginais e desviados nas épocas passadas e o progresso paralelo das sondagens de opinião e de análises históricas de comportamentos eleitorais. Desse ponto de vista, um dos interesses da história das mentalidades revela-se: as possibilidades que oferece à Psicologia histórica de ligar-se a outra grande corrente da pesquisa histórica de hoje: a História quantitativa.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Ciência aparentemente do movente e do matizado, a história das mentalidades pode, com certas adaptações, utilizar os métodos quantitativos aperfeiçoados pelos psicologistas sociais. Da mesma maneira, seus vínculos com a etnologia permitirão que recorra a outro grande arsenal das ciências humanas atuais: os métodos estruturalistas.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Mas a história das mentalidades não se define somente pelo contrato com as outras ciências humanas e pela emergência de um domínio repelido pela história tradicional. Ela é o lugar de encontro de exigências opostas que a dinâmica própria à pesquisa histórica atual força ao diálogo. Situa-se no ponto de junção do individual e do coletivo, do longo tempo e do quotidiano, do inconsciente e do intencional, do estrutural e do conjuntural, do marginal e do geral. Quando Huizinga chama Jean de Salisbury de “espírito pré-gótico”, reconhecia-lhe uma superioridade de antecipação com respeito à evolução histórica, pela expressão em que o espírito evoca a mentalidade, fazendo desta a testemunha coletiva de uma época, como Lucien Febvre fez de um Rabelais arrancado ao anacronismo dos eruditos das ideias para voltar à historicidade concreta dos historiadores das mentalidades.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O discurso dos homens, em qualquer tom em que tenha sido pronunciado – o da convicção, o da emoção, o da ênfase –, é frequentemente apenas um amontoado de ideias feitas, de lugares comuns, de restos de culturas e de mentalidades de diversas origens e várias épocas. André Varagnac fala de arqueocivilização, restos sendo reunidos por coerências mentais, senão lógicas, seguindo o deciframento de sistemas psíquicos próximos da bricolage intellectuel em que Claude Lévi-Strauss reconhecia o pensamento selvagem.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">A história das mentalidades obriga o historiador a interessar-se por alguns fenômenos essenciais de seu domínio: as heranças (das quais os estudos ensinam a continuidade), as rupturas, a tradição, as maneiras pelas quais se reproduzem mentalmente as sociedades, as defasagens, produto do retardamento dos espíritos em se adaptar às mudanças e a inegável rapidez com que evoluem os diferentes setores da história, um campo de análise privilegiado para a crítica das concepções lineares a serviço histórico.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Os homens servem-se das máquinas conservando as mentalidades anteriores a elas. Os automobilistas têm vocabulário de cavaleiros; os operários das fábricas do século XIX, a mentalidade dos camponeses. A mentalidade é aquilo que muda mais lentamente. História das mentalidades, história da lentidão na história.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Qual a origem da história das mentalidades? Mental que se refere ao espírito e tem origem no vocabulário da escolástica clássica medieval. O aparecimento de mental (no século XV) e mentalidade (no século XIX) indica que o substantivo corresponde a outras necessidades, decorre de uma conjuntura que não o adjetivo. Mentalidade, filha da filosofia inglesa do século XVII, designa a coloração coletiva do psiquismo, a maneira particular de pensar e de sentir “de um povo, de certo grupo de pessoas etc.”. Confinado em inglês, a língua técnica da filosofia, em francês torna-se logo de uso corrente, surgido no século XVIII no domínio científico do campo de uma nova concepção da história. Inspira Voltaire (Essai sur lês moeurs et l’espirit des nations (1754), como está no dicionário Robert, 1842).</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Em 1900, Proust sublinha a novidade e a palavra toma seu sentido corrente. É o sucedâneo popular da Weltanschauung alemã, a visão do mundo, de tudo um pouco, um universo mental ao mesmo tempo estereotipado e caótico. É uma visão corrompida do mundo, o entregar-se à propensão dos maus instintos psíquicos. Fatalidade pejorativa, direto ou antífrase. Uma vil ou bela mentalidade, ou que mentalidade. O inglês a conservou no caso do adjetivo: mental (subentendendo-se deficiente).</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i>REFERÊNCIAS</i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i>LE GOFF, Jacques. História nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990.</i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i>HOBSBAWM, E. J. Bandidos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1976. SILVA, Eduardo Marques da. As neoamazonas e o moderno mundo econômico em transformação: onde surgem? Disponível em: www.educacaopublica.rj.gov.br. Publicado em 3 de março de 2009.</i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i>SILVA, Eduardo Marques da. Raízes de uma escola de inclusão social e sociocultural cidadã para apresados recuperáveis: uma sugestão. Disponível em: www.educacaopublica.rj.gov.br. Publicado em 16 de janeiro de 2007.</i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i>SILVA, Eduardo Marques da. Pós-escravidão, a educação submissa na cibercidadania. Disponível em: www.educacaopublica.rj.gov.br. Publicado em 21 de agosto de 2007.</i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div> <div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração: Hieronymus Bosch (ca. 1450-1516)</span></div><p></p>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-48974858482701007862024-01-26T07:02:00.000-08:002024-01-26T07:02:01.437-08:00OS DOIS GATOS, Bocage<p> <span style="font-family: "Book Antiqua", serif; font-size: 12pt; line-height: 107%; text-align: justify; text-indent: -18pt;"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-feature-settings: normal; font-kerning: auto; font-optical-sizing: auto; font-size: 7pt; font-stretch: normal; font-variant-alternates: normal; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-variant-position: normal; font-variation-settings: normal; line-height: normal;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Book Antiqua",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiuSQfUtNOWzGaZbdFZkd-z4exQoX9-6hqCCL-ybkxvwMxVga919rmpi83ISGafUutnH5hpyIlz1ydyY81pKpTDfH-mxMOyYxo-WKU-ZHRTCa1m7LWChYX34FJ6deJCyKbgsI5ELatEulvs4Xa8Sdr4QxKT9e_bgDJxxevv8QTwvDa-U0q0ks5Yhzm28no/s1000/xfig%20Jean-Baptiste%20Oudry%20-%20Les%20deux%20chats%201725.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="802" data-original-width="1000" height="257" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiuSQfUtNOWzGaZbdFZkd-z4exQoX9-6hqCCL-ybkxvwMxVga919rmpi83ISGafUutnH5hpyIlz1ydyY81pKpTDfH-mxMOyYxo-WKU-ZHRTCa1m7LWChYX34FJ6deJCyKbgsI5ELatEulvs4Xa8Sdr4QxKT9e_bgDJxxevv8QTwvDa-U0q0ks5Yhzm28no/s320/xfig%20Jean-Baptiste%20Oudry%20-%20Les%20deux%20chats%201725.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p>
<span style="font-family: georgia;"><br /><br /><b>Dois bichanos se encontraram </b><br /><br /><b>Sobre uma trapeira um dia: </b><br /><br /><b>(Creio que não foi no tempo </b><br /><br /><b>Da amorosa gritaria). </b><br /><br /> <br /><br /><b>De um deles todo o conchego </b><br /><br /><b>Era dormir no borralho; </b><br /><br /><b>O outro em leito de senhora </b><br /><br /><b>Tinha mimoso agasalho. </b><br /><br /> <br /><br /><b>Ao primeiro o dono humilde </b><br /><br /><b>Espinhas apenas dava; </b><br /><br /><b>Com esquisitos manjares </b><br /><br /><b>O segundo se engordava. </b><br /><br /> <br /><br /><b>Miou, e lambeu-o aquele </b><br /><br /><b>Por o ver da sua casta; </b><br /><br /><b>Eis que o brutinho orgulhoso </b><br /><br /><b>De si com desdém o afasta. </b><br /><br /> <br /><br /><b>Aguda unha vibrando </b><br /><br /><b>Lhe diz:” Gato vil e pobre, </b><br /><br /><b>Tens semelhante ousadia </b><br /><br /><b>Comigo, opulento, e nobre? </b><br /><br /> <br /><br /><b>Cuidas que sou como tu? </b><br /><br /><b>Asneirão, quanto te enganas! </b><br /><br /><b>Entendes que me sustento </b><br /><br /><b>De espinhas, ou barbatanas? </b><br /><br /> <br /><br /><b>Logro tudo o que desejo, </b><br /><br /><b>Dão-me de comer na mão; </b><br /><br /><b>Tu lazeras, e dormimos </b><br /><br /><b>Eu na cama, e tu no chão. </b><br /><br /> <br /><br /><b>Poderás dizer-me a isto </b><br /><br /><b>Que nunca te conheci; </b><br /><br /><b>Mas para ver que não minto </b><br /><br /><b>Basta-me olhar para ti.” </b><br /><br /> <br /><br /><b>”Ui! (responde-lhe o gatorro, </b><br /><br /><b>Mostrando um ar de estranheza) </b><br /><br /><b>És mais que eu? Que distinção </b><br /><br /><b>Pôs em nós a Natureza? </b><br /><br /> <br /><br /><b>Tens mais valor? Eis aqui </b><br /><br /><b>A ocasião de o provar.” </b><br /><br /><b>”Nada (acode o cavalheiro) </b><br /><br /><b>Eu não costumo brigar.” </b><br /><br /> <br /><br /><b>”Então (torna-lhe enfadado </b><br /><br /><b>O nosso vilão ruim) </b><br /><br /><b>Se tu não és mais valente, </b><br /><br /><b>Em que és sup’rior a mim? </b><br /><br /> <br /><br /><b>Tu não mias?” – ”Mio.” – ”E sentes </b><br /><br /><b>Gosto em pilhar algum rato?” </b><br /><br /><b>”Sim.” – E o comes?” – ”Oh! Se como!…” </b><br /><br /><b>”Logo não passas de um gato. </b><br /><br /> <br /><br /><b>Abate, pois, esse orgulho, </b><br /><br /><b>Intratável criatura: </b><br /><br /><b>Não tens mais nobreza que eu; </b><br /><br /><b>O que tens é mais ventura.” </b><br /><br /> <br /><br /> <br /><br />(Ilustração : Jean-Baptiste Oudry - Les deux chats, 1725)</span>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-13690497690307951162024-01-24T07:45:00.000-08:002024-01-24T07:45:55.388-08:00O VELÓRIO DE IVAN ILITCH, de Leon Tolstói<p style="text-align: center;"> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2SKlcWisN7bF_FIrcbn5Q46KHlr1w81Grf8tZuGIBSnt2XYNfh0jBFBEYIa6rx3KUOK5yYAHjOLK4_NnWG9n9a1Y-e3FQ-f_u9jSVP-Xo2WMtVP454WqJBgP5f2THpgdv2ECOFCVb8b3zFKIUg0OTwMtq7FoiHzB9edb3a5MWV2QiE2d0w5TzmrhBCd0/s1024/xfig%20Anna%20Ancher%20-%20A%20funeral%20-%201891.webp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="838" data-original-width="1024" height="262" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2SKlcWisN7bF_FIrcbn5Q46KHlr1w81Grf8tZuGIBSnt2XYNfh0jBFBEYIa6rx3KUOK5yYAHjOLK4_NnWG9n9a1Y-e3FQ-f_u9jSVP-Xo2WMtVP454WqJBgP5f2THpgdv2ECOFCVb8b3zFKIUg0OTwMtq7FoiHzB9edb3a5MWV2QiE2d0w5TzmrhBCd0/s320/xfig%20Anna%20Ancher%20-%20A%20funeral%20-%201891.webp" width="320" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoListParagraph" style="margin-left: 54pt;"></p><div style="text-align: justify;"><span style="font-feature-settings: normal; font-kerning: auto; font-optical-sizing: auto; font-size: 7pt; font-stretch: normal; font-variant-alternates: normal; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-variant-position: normal; font-variation-settings: normal; line-height: normal;"> </span><b><span style="font-family: georgia;">No prédio do Tribunal, durante um intervalo do julgamento do caso Melvinsky, os membros da Corte e o promotor reuniram-se no gabinete de Ivan Yegorovich Shebek e a conversa recaiu sobre o famoso caso Krasovsky. Fiodr Vassilyevich insistia em que o caso não estava sob sua jurisdição, Ivan Yegorovich argumentava o contrário, enquanto Piotr Ivanovich, como não estava na discussão desde o início, não tomava o partido de ninguém, mas passava os olhos pelo Gazette, que tinham acabado de entregar.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Senhores – exclamou. – Morreu Ivan Ilitch.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Não é possível!</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Está aqui. Pode ler – disse Piotr Ivanovich, passando o jornal que ainda cheirava a tinta a Fiodr Vassilyevich.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Cercadas por uma borda preta, liam-se as seguintes palavras:</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">É com profundo pesar que Praskovya Fiodorovna participa a amigos e parentes a passagem de seu estimado esposo, Ivan Ilitch Golovin, membro da Corte Suprema, que deixou esta vida no dia 04 de fevereiro do ano da graça de 1882. O enterro acontecerá na sexta-feira, à uma hora da tarde.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Ivan Ilitch havia sido colega deles e era muito querido por todos. Sabia-se que sofrera em cima de uma cama, meses a fio, com uma doença diagnosticada como incurável. Seu posto ficara em aberto, mas corria que, no caso de sua morte, provavelmente Alexeyev seria nomeado seu sucessor e Vinnikov ou Shtabel ocupariam o lugar de Alexeyev. De modo que, ao ouvirem a notícia da morte de Ivan Ilitch, a primeira coisa que lhes passou pela cabeça foi o possível efeito na rodada de transferências e promoções para eles ou seus companheiros.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Tenho certeza de que agora eu pego o lugar de Shtabel, ou de Vinniko!”, pensou Fiodr Vassilyevich. “Já me prometeram há horas e essa promoção significa um salário de oitocentos rublos por ano, mais ajuda de custo.”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Vou tentar conseguir a transferência de Kalugo para o meu cunhado!”, pensou Piotr Ivanovich. “Minha mulher vai adorar e não vai poder dizer que eu nunca faço nada pelos parentes dela!”</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Bem que eu achei, o tempo todo, que ele não ia mais sair daquela cama – disse Piotr, em voz alta. – Que coisa triste.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– O que era mesmo que ele tinha?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Os médicos não conseguiram chegar a uma conclusão, ou pelo menos não à mesma conclusão. A última vez em que o vi me pareceu que estava melhorando.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– E eu que nunca mais apareci, desde as férias. Pensei em ir várias vezes.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Ele tinha bens?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Acho que sua esposa tem alguma coisa. Mas não muita.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Bem, acho que devemos ir até lá vê-la. Eles moram um bocado longe!</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Você quer dizer um bocado longe de você. Qualquer lugar é longe da sua casa!</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Ouviram essa? Ele não me perdoa por viver do outro lado do rio! – disse Piotr Ivanovich, sorrindo, para Shebek. E voltaram para o Tribunal comentando animadamente sobre as distâncias de um e de outro lado da cidade.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Além das elucubrações sobre possíveis transferências e mudanças no departamento, resultantes da morte de Ivan Ilitch, a simples ideia da morte de um companheiro tão próximo fazia surgir naqueles que ouviram a notícia aquele tipo de sentimento de alívio ao pensar que “foi ele quem morreu e não eu”.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Agora era ele quem tinha de morrer. Comigo vai ser diferente – eu estou vivo”, pensava cada um deles, enquanto as pessoas mais próximas, os assim chamados amigos, lembravam que agora teriam de cumprir todos aqueles cansativos rituais que exigiam as normas de bom comportamento, assistindo ao funeral e fazendo uma visita de condolências para a viúva.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Fiodr Vassilyevich e Piotr Ivanovich tinham sido seus amigos mais próximos. Piotr Ivanovich fora seu colega na Escola de Direito e lhe devia obrigações.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Em casa, depois de contar para a esposa sobre a morte de Ivan Ilitch, e sua esperança de que talvez conseguisse a transferência de seu cunhado, Piotr Ivanovich abriu mão de sua sesta habitual, vestiu o casaco e saiu.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Do lado de fora da casa de Ivan Ilitch havia uma carruagem e dois trenós de aluguel.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Encostado na parede do hall, ao lado do porta-chapéus, via-se a tampa de um caixão coberta por um manto em cujas franjas haviam acabado de borrifar um pó dourado. Havia duas mulheres de preto recolhendo os casacos, e uma delas, a irmã de Ivan Ilitch, Piotr Ivanovich já conhecia, mas a outra era-lhe totalmente estranha.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Seu colega Schwartz já estava descendo, mas ao ver Piotr Ivanovich parou no topo da escada e deu uma piscada, como quem diz: “Veja só que confusão foi arrumar nosso amigo Ivan Ilitch – tão diferente de nós!”.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O rosto de Schwartz, com aquelas costeletas, sua figura esguia naquele casaco, tinham como sempre, um ar elegante e solene que contrastava com sua natureza jovial, mas que nessa situação parecia a Piotr Ivanovich adquirir um tempero todo especial.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Piotr Ivanovich deixou que as duas mulheres passassem e as seguiu. Schwartz não fez menção de descer e Piotr Ivanovich sabia por quê: certamente queria combinar o local do whist[1] naquela noite. As mulheres subiram para falar com a viúva, enquanto Schwartz, com os lábios cerrados, mas um olhar malicioso, indicava a Piotr Ivanovich o quarto à direita onde estava o corpo. Piotr Ivanovich entrou, em dúvida, como as pessoas sempre se sentem nessas ocasiões, quanto à melhor atitude a tomar ali dentro. A única coisa que lhe ocorria era que fazer o sinal-da-cruz nunca vinha mal nessas horas. Mas como não tinha certeza se era necessário curvar-se ou não, optou por um meio-termo: ao entrar no quarto, começou o sinal-da-cruz e fez um movimento que lembrava vagamente uma inclinação; ao mesmo tempo, tanto quanto o permitiram os movimentos de mão e de cabeça, deu uma checada no ambiente em volta. Dois rapazes, um deles estudante, que deviam ser sobrinhos, vinham saindo do quarto fazendo o sinalda-cruz e ele aproveitou e fez o mesmo. Uma senhora de idade estava parada, enquanto uma outra com as sobrancelhas arqueadas cochichava-lhe alguma coisa. Um membro da igreja lia em voz alta, com sinceridade e determinação e uma expressão que não admitia discordâncias.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Gerassim, o criado, caminhando com seu passo suave em frente a Piotr Ivanovich, espalhava alguma coisa pelo chão. Ao ver isso, Piotr Ivanovich sentiu imediatamente um cheiro de corpo em decomposição. Na sua última visita a Ivan Ilitch, Piotr Ivanovich vira Gerassim no quarto, fazendo as vezes de enfermeiro, e percebia-se que Ivan Ilitch gostava muito dele.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Piotr Ivanovich continuou fazendo o sinal-da-cruz e inclinando a cabeça numa direção intermediária entre o caixão, o orador e as imagens sobre a mesa do canto. Em seguida, quando achava que o sinal da cruz já havia durado tempo suficiente, parava e punha-se a olhar para o defunto.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O morto jazia, como os mortos sempre jazem, pesadamente, seus membros endurecidos afundados dentro do caixão, a cabeça recostada eternamente no travesseiro, sua testa de cera amarelada, com sulcos acima das têmporas afundadas, sobressaía-se, como acontece nos mortos, e o nariz proeminente parecia pressionar fortemente o lábio superior. Estava bastante diferente e ainda mais magro do que da última vez que o vira, mas, como sempre acontece com os mortos, o rosto estava mais bonito e principalmente mais expressivo do que quando vivo. A expressão do rosto parecia dizer que tudo o que podia ter sido feito fora feito e da melhor maneira possível. Havia também reprovação nessa expressão e uma espécie de advertência para os vivos, advertência esta que parecia completamente sem propósito para Piotr Ivanovich, ou, pelo menos, não ser dirigida a ele. Teve uma sensação desagradável e, mais do que depressa, fez outro sinal-da-cruz e, ainda que lhe parecesse depressa demais e incompatível com a ocasião, virou as costas e saiu. Schwartz o esperava de pé no corredor, com as pernas afastadas e as duas mãos mexendo no chapéu às suas costas. A simples visão daquela figura leve e jovial reanimou Piotr Ivanovich. Sentia que Schwartz estava acima desse tipo de acontecimento, que jamais se deixaria dominar por qualquer ambiente depressivo. Seu olhar dizia que o mero incidente de um velório para Ivan Ilitch não poderia, em hipótese alguma, constituir motivo suficiente para interromper o curso natural das coisas – em outras palavras, nada poderia interferir no desembrulhar e cortar de um novo pacote de cartas naquela mesma noite. Na verdade, não havia razão alguma para supor que este simples contratempo os impediria de passar uma noite tão agradável quanto as outras.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Absolutamente – cochichou Schwartz para Piotr Ivanovich que passava, propondo que se encontrassem para um joguinho na casa de Fiodr Vassilyevich.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Mas pelo jeito não era o destino de Piotr Ivanovich jogar naquela noite. Praskovya Fiodorovna, uma mulher de estatura baixa, gorda, que apesar de todos os esforços em contrário continuara a alargar resolutamente dos ombros para baixo, toda de preto, com um véu cobrindo-lhe a cabeça, as sobrancelhas tão arqueadas quanto as da mulher ao lado do caixão, saiu do seu quarto com outras senhoras e, conduzindo-as até a porta do quarto onde estava o morto, falou: “A cerimônia já vai começar. Entrem, por favor”.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Schwartz, inclinando-se levemente, lembrou de onde estava, sem obviamente aceitar ou declinar do convite. Praskovya, reconhecendo Piotr Ivanovich, suspirou, aproximou-se dele, pegou sua mão e falou: “Eu sei o quanto vocês eram amigos...!” e fixou-o esperando uma resposta adequada ao que acabava de dizer. Piotr Ivanovich sabia que, assim como minutos antes, naquela mesma sala, adequado era se benzer, agora fazia-se necessário apertar a mão da viúva, suspirar e dizer: “Sim, é verdade!”. E foi o que fez, sentindo que alcançava o resultado esperado: ambos estavam comovidos.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Venha – disse a viúva. – Eles ainda não começaram. Preciso falar com você. Me dê o braço.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Piotr Ivanovich ofereceu-lhe seu braço e saíram em direção a um apartamento interno passando por Schwartz, que piscou solidário. “Tudo acertado para o nosso jogo. Não reclame se arrumarmos outro parceiro. Talvez você possa se juntar a nós quando conseguir escapar!,” dizia seu olhar provocador.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Piotr Ivanovich deu um suspiro ainda mais profundo e desalentado e Praskovya Fiodorovna apertou seu braço em sinal de gratidão. Assim que chegaram ao quarto dela, todo forrado em cretone cor-de-rosa e fracamente iluminado sentaram, ela em um sofá e Piotr Ivanovich em um pufe baixinho, com as molas quebradas, que volta e meia afundava sob seu peso. Praskovya Fiodorovna esteve a ponto de avisá-lo que pegasse outra cadeira, mas sentiu que uma observação como essa destoaria de toda a atmosfera criada pela situação e mudou de ideia. Logo que sentou no pufe, Piotr Ivanovich começou a lembrar de Ivan Ilitch decorando aquele quarto e consultando-o exatamente sobre este cretone cor-de-rosa com folhas verdes. O quarto estava repleto de móveis e objetos e, enquanto se encaminhava para o sofá, a viúva prendeu a ponta do manto na quina da mesa, toda trabalhada. Piotr Ivanovich levantava-se para desprendê-lo quando o pufe, livre de seu peso, inflou novamente e o fez saltar. A viúva tentou ela própria desprender o laço e Piotr Ivanovich sentou outra vez, abafando as molas rebeldes sob seu corpo. Mas Praskovya Fiodorovna ainda não havia conseguido se libertar e, mais uma vez, Piotr Ivanovich levantou, e, mais uma vez, o pufe se rebelou e saltou, com estrondo. Ao final de tudo isso, Praskovya tirou um lenço limpo de cambraia e começou a chorar. Mas o episódio com o laço e toda a batalha com o pufe haviam esgotado Piotr Ivanovich e ele sentou-se, sem forças. Essa estranha situação foi interrompida por Sikolov, o mordomo de Ivan Ilitch, que entrava para dizer que a cova que Praskovya havia escolhido custaria duzentos rublos. Ela parou de chorar e, olhando Piotr Ivanovich com ar de vítima, queixou-se em francês sobre como tudo isso era terrível para ela. Piotr Ivanovich fez um gesto em silêncio, que queria dizer que, sem dúvida alguma, ele acreditava que certamente deveria ser.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Com uma voz ao mesmo tempo magnânima e desconsolada, Praskovya começou a discutir com o mordomo a questão do preço da cova.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Piotr Ivanovich acendeu um cigarro e pôs-se a ouvir interessadamente, perguntando preços de diferentes covas, e finalmente decidiram por qual optar. Assim que terminaram, ela deu instruções ao mordomo para que se juntasse ao corpo e ele saiu.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Sou eu quem tem de decidir tudo sozinha – disse ela, pondo de lado os álbuns que estavam em cima da mesa e, notando que a cinza do cigarro dele em breve cairia em cima desta, imediatamente alcançou-lhe um cinzeiro dizendo: – Seria hipocrisia minha fingir que o sofrimento me impede de dar atenção aos assuntos práticos. Ao contrário, se fosse possível não digo me consolar, mas me distrair, seria cuidando dos objetos que me fazem lembrar dele! – E pegou seu lenço outra vez, preparando-se para chorar, mas, de repente, como quem luta com seus sentimentos, se recompôs e começou a falar calmamente: – Sabe, tem uma coisa que eu gostaria de conversar com você.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Piotr Ivanovich inclinou-se, tentando não perder o controle das molas do pufe, que começou imediatamente a vibrar.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Seus últimos dias foram terríveis, ela disse.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Ele sofreu muito?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Sim, horrivelmente. No final ele gritava, já não era por minutos, mas horas a fio. Gritou durante três dias e três noites sem parar. Era insuportável. Não sei como eu consegui aguentar, podia se ouvir três quartos adiante. Ah, você não imagina o que eu passei.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Ele estava lúcido o tempo todo?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Sim – ela sussurrou. – Até o final. Despediu-se de nós quinze minutos antes de morrer e até pediu que levássemos Volodya dali.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">A ideia do sofrimento do homem que ele havia conhecido tão intimamente, primeiro como uma criança irresponsável, depois como o jovem estudante e, mais tarde, já adulto, como parceiro de jogo, encheu Piotr Ivanovich de horror, apesar da desagradável consciência do quanto ele e aquela mulher estavam sendo hipócritas. Visualizou outra vez aquela testa e o nariz pressionando o lábio e essa visão encheu-lhe de um sentimento de pavor em relação a si próprio.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">“Três dias e três noites de sofrimentos terríveis e depois a morte. Ora, isso pode acontecer comigo, de uma hora para outra”, pensou aterrorizado. Mas, imediatamente, sem que ele soubesse explicar, veio em seu auxílio a velha ideia de que isso havia acontecido a Ivan Ilitch e não a ele, de que isso não iria e nem poderia acontecer a ele e que o fato de pensar que algo assim pudesse lhe acontecer só significava que estava se deixando levar por pensamentos depressivos, o que era um erro, como bem demonstrava a expressão no rosto de Schwartz. Piotr Ivanovich animou-se outra vez e passou a perguntar interessadamente sobre os detalhes da morte de Ivan Ilitch, como se a morte fosse uma fatalidade à qual somente Ivan Ilitch estivesse sujeito e ele não.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Depois de descrever os terríveis sofrimentos físicos por que passara Ivan Ilitch (cujos detalhes Piotr Ivanovich só soube através do efeito que esses tinham nos nervos de Praskovya), a viúva achou que já estava mais do que na hora de tratar de negócios.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Ah, Piotr Ivanovich, que sofrimento, isso tudo... Que terrível sofrimento... – e caiu em prantos novamente.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Piotr Ivanovich suspirou e esperou que ela assoasse o nariz. Assim que ela terminou, ele conseguiu dizer: “Acredite-me...”, e, mais uma vez ela começou a falar, chegando no ponto que era, evidentemente, o que lhe interessava: perguntar como poderia conseguir algum dinheiro do governo por ocasião da morte de seu marido. Ela, na verdade, quis dar a impressão de estar pedindo a Piotr Ivanovich conselhos sobre a sua pensão, mas ele logo percebeu que sobre isso ela já sabia tudo que precisava saber, talvez até mais do que ele. Sabia exatamente quanto tinha direito de receber do governo em consequência da morte do marido, mas queria descobrir se não haveria possibilidade de extorquir um pouquinho mais. Piotr Ivanovich até tentou pensar em alguma sugestão, mas, depois de ponderar um instante, optou por, em sinal de delicadeza, criticar o governo por sua atitude mesquinha, mas dizer que lhe parecia não haver nada a fazer. Depois disso, Praskovya suspirou e pôs-se resolutamente a procurar um meio de se libertar de seu visitante. Ao percebê-lo, ele apagou o cigarro, levantou, apertou a mão da viúva e entrou na antessala.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Na sala de jantar onde ficava o relógio que Ivan Ilitch comprara em um antiquário, e do qual gostava tanto, Piotr Ivanovich encontrou o padre e alguns conhecidos que vieram para assistir ao funeral. Havia também uma jovem muito bonita, que era a filha de Ivan Ilitch. Estava toda de preto e sua figura esguia parecia ainda mais esguia agora. Tinha uma expressão quase agressiva. Olhou na direção de Piotr Ivanovich como se ele fosse de algum modo culpado. Atrás da filha, com a mesma expressão de mágoa, estava um jovem rico que Piotr Ivanovich também conhecia e um magistrado com a noiva, de quem ele ouvira falar. Piotr Ivanovich inclinou-se com ar triste na direção deles e ia seguir adiante quando surgiu o filho adolescente de Ivan Ilitch, cuja semelhança com o pai era impressionante. Ali estava Ivan Ilitch outra vez, tal como Piotr Ivanovich lembrava dele dos tempos de estudantes. Tinha os olhos vermelhos de tanto chorar e aquele olhar pervertido dos garotos de treze ou quatorze anos. Ao ver Piotr Ivanovich, endereçou-lhe um olhar ao mesmo tempo desanimado e de pouco caso. Piotr Ivanovich balançou a cabeça e entrou no quarto do morto. O serviço estava começando: velas, suspiros, incenso, lágrimas e soluços. Piotr Ivanovich ficou ali, olhando para os próprios pés. Não olhou uma única vez para o corpo, recusando-se, até o fim, a deixar-se dominar pela depressão, e foi um dos primeiros a partir. Não havia ninguém na antessala, mas Gerassim, o criado da casa, veio rapidamente de dentro do quarto, pegou um por um todos os casacos até encontrar o de Piotr Ivanovich e ajudou-o a vesti-lo.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Bem, meu amigo Gerassim – disse Piotr Ivanovich, só para dizer alguma coisa. – Que coisa triste, não é?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– É a vontade de Deus. Nós todos vamos passar por isso um dia – respondeu Gerassim, mostrando seus dentes brancos e parelhos de camponês. E como se tivesse que terminar um trabalho urgente, em seguida abriu a porta da frente, chamou o cocheiro, levou Piotr Ivanovich até a carruagem e voltou rapidamente para a varanda, como quem já está pensando na próxima tarefa a ser cumprida.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Piotr Ivanovich achou aquele ar fresco particularmente agradável depois de todo o cheiro de incenso, de cadáver e de desinfetante.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Para onde, senhor? – perguntou o cocheiro.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">– Não é tão tarde, ainda dá tempo de dar uma passada na casa de Fiodr Vassilyevich.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">E Piotr Ivanovich foi para lá e, de fato, encontrou-os recém terminando a primeira rodada, de modo que chegou em tempo de entrar no jogo.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(<u>A morte de Ivan Ilitch</u> ; tradução de Vera Karam)</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div> <div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração: Anna Ancher - A funeral – 1891)</span></div><div style="text-align: justify;"><br /></div> <p></p>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-69346301856804582712024-01-21T06:41:00.000-08:002024-01-21T06:41:18.034-08:00TEMPO, de Mabel Velloso <p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikhCWUIZWsF4ioGs7s59yZAEDVRnVztUKYX21hHKUTaKjfuvv2gcLmaitGfwIoMRd_63z12DYsYlGrCyZDZO8WxQ5d_6e4rSfVPAtQr4pzrCSocs2TpqZxwrFFaHQfHGbtYBTku8gmO6Vh0YdZWi6YWGsemuI_5U8KsmbDIQ2nOMKPxvZxofW1udk5dg0/s2048/xfig%20Alyssa%20Monks.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2048" data-original-width="1734" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikhCWUIZWsF4ioGs7s59yZAEDVRnVztUKYX21hHKUTaKjfuvv2gcLmaitGfwIoMRd_63z12DYsYlGrCyZDZO8WxQ5d_6e4rSfVPAtQr4pzrCSocs2TpqZxwrFFaHQfHGbtYBTku8gmO6Vh0YdZWi6YWGsemuI_5U8KsmbDIQ2nOMKPxvZxofW1udk5dg0/s320/xfig%20Alyssa%20Monks.jpg" width="271" /></a></div><br /><p class="MsoListParagraph" style="text-align: center; text-indent: 0cm;"><br /></p>
<span style="font-family: georgia;"><br /><br /><b>Tempo vamos fazer uma troca? </b><br /><br /><b>eu lhe dou as minhas rugas </b><br /><br /><b>você me devolve o rosto </b><br /><br /><b>jovem e limpo como ontem. </b><br /><br /><b>Eu lhe dou cabelos brancos </b><br /><br /><b>você me devolve os cachos </b><br /><br /><b>negros, longos, bem sedosos </b><br /><br /><b>assim como antigamente. </b><br /><br /><b>Eu lhe dou a minha agenda </b><br /><br /><b>cheia de notícias e horários </b><br /><br /><b>e você me dá de volta </b><br /><br /><b>meu álbum de figurinhas </b><br /><br /><b>toma de mim a caneta, </b><br /><br /><b>cadernos para corrigir </b><br /><br /><b>me dá de volta os meus lápis </b><br /><br /><b>e quadros pra eu colorir. </b><br /><br /><b>Eu lhe dou toda essa roupa </b><br /><br /><b>que devo agora lavar </b><br /><br /><b>você me dá outra vez </b><br /><br /><b>bonecas para eu brincar. </b><br /><br /><b>Eu lhe dou a pia cheia </b><br /><br /><b>de pratos engordurados </b><br /><br /><b>e você me dá em troca </b><br /><br /><b>caxixis para eu brincar. </b><br /><br /><b>Eu lhe dou esses transportes </b><br /><br /><b>que sou obrigada a usar </b><br /><br /><b>e você me dá de volta </b><br /><br /><b>bicicleta para eu montar. </b><br /><br /><b>Eu lhe dou esses meus óculos </b><br /><br /><b>que da cara já não tiro </b><br /><br /><b>e você me dá de volta </b><br /><br /><b>os meus olhos com o seu brilho </b><br /><br /><b>Eu lhe dou as minhas pernas </b><br /><br /><b>que já andam lentamente </b><br /><br /><b>e você devolve em troca </b><br /><br /><b>as grossas de antigamente. </b><br /><br /><b>Eu lhe entrego os meus braços </b><br /><br /><b>cansados de trabalhar </b><br /><br /><b>você me dá os meus braços </b><br /><br /><b>relaxados de folgar. </b><br /><br /> <br /><br />(<u>Poesia Mabel</u>) <br /><br /> <br /><br />(Ilustração: Alyssa Monks)</span>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-68492654741894102572024-01-17T06:27:00.000-08:002024-01-17T06:27:51.631-08:00Os Tambores de São Luís, de Josué Montello<p style="text-align: center;"> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiN4PiWsukSlwX9MSDA_BbUTc9zNLR8t7KtqJeEmTSF1MuEn3e04gkeGnM9PbeRFCIA-ZOU_VLTpePsvIwiBK-G3Ew7IIxZZT2_CwRNk95p0FjH1ZyJZ6tym5JGToOkZt6PVdaqECpLtWGnXZtGfGGwFv48BmIic3npi_dl68uiVTtGcpWz-wChlha6JfI/s1466/xfig%20Enzo%20Ferrara%20-%20Bumba%20meu%20boi%20de%20Sao%20Lu%C3%ADs%20do%20Maranh%C3%A3o.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="984" data-original-width="1466" height="215" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiN4PiWsukSlwX9MSDA_BbUTc9zNLR8t7KtqJeEmTSF1MuEn3e04gkeGnM9PbeRFCIA-ZOU_VLTpePsvIwiBK-G3Ew7IIxZZT2_CwRNk95p0FjH1ZyJZ6tym5JGToOkZt6PVdaqECpLtWGnXZtGfGGwFv48BmIic3npi_dl68uiVTtGcpWz-wChlha6JfI/s320/xfig%20Enzo%20Ferrara%20-%20Bumba%20meu%20boi%20de%20Sao%20Lu%C3%ADs%20do%20Maranh%C3%A3o.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Até ali os tambores da Casa-Grande das Minas tinham seguido seus passos, e ele via ainda os três tamboreiros, no canto esquerdo da varanda, rufando forte os seus instrumentos rituais, com o acompanhamento dos ogãs e das cabaças, enquanto a nochê Andreza Maria deixava cair o xale para os antebraços, recebendo Toi-Zamadone, o dono do lugar.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Por vezes, no seu passo firme pela calçada deserta, deixava de ouvir o tantantã dos tambores, calados de repente no silêncio da noite, com o vento que amainava ou mudava de direção. Daí a pouco Damião tornava a ouvi-los, trazidos por uma rajada mais fresca, e outra vez a imagem da nochê, cercada pelas noviches vestidas de branco, lhe refluía à consciência, magra, direita, porte de rainha, a cabeça começando a branquear.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Fora ela que viera buscá-lo, à entrada do querebetã. A intenção dele era apenas ouvir um pouco os tambores e olhar as danças, sentado no comprido banco da varanda, de rosto voltado para o terreiro pontilhado de velas. Já o banco estava repleto. Muitas pessoas tinham sentado no chão de terra batida, com as mãos entrelaçadas em redor dos joelhos; outras permaneciam de pé, recostadas contra a parede. Mas a nochê, que o trouxera pela mão, fez cair do banco um dos assistentes, e ele ali se acomodou, em posição realmente privilegiada, podendo ver de perto os tambores tocando e as noviches dançando, por entre o tinir de ferro dos ogãs e o chocalhar das cabaças.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Vez por outra sentia necessidade de ir ali, levado por invencível ansiedade nostálgica, que ele próprio, com toda a agudeza de sua inteligência superior, não saberia definir ou explicar. O certo é que, ouvindo bater os tambores rituais, como que se reintegrava no mundo mágico de sua progênie africana, enquanto se lhe alastrava pela consciência uma sensação nova de paz, que mergulhava na mais profunda essência de seu ser. Dali saía misteriosamente apaziguado, e era mais leve o seu corpo e mais suave o seu dia, qual se voltasse a lhe ser propício o vodum que acompanha na Terra os passos de cada negro.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Embora só houvesse no céu uma fatia de lua nova, por cima da igreja de São Pantaleão, uma tênue claridade violácea descia sobre a cidade adormecida, com a multidão de estrelas que faiscavam na noite de estio. Em cada esquina, a sentinela de um lampião, com seu bico de gás chiante. Todas as casas fechadas. Perto, para os lados da Rua da Inveja, o apressado rolar de um carro, com o ruído do cavalo a galope nas pedras do calçamento. E sempre o baticum dos tambores, ora fugindo, ora voltando, sem perder a cadência frenética, muito mais ligeira que o retinir das ferraduras.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">No canto da Rua do Passeio com a Rua do Mocambo, antes de passar para a calçada fronteira, Damião parou um momento, batido em cheio pela claridade do gás.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Resguardado do sereno pelo chapéu de feltro inglês, presente do Governador Luís Domingues no último Natal, parecia mais comprido, a espinha dorsal direita, o corpo seco e rijo, os ombros altos. Aos oitenta anos, dava a impressão de ter sessenta, ou talvez menos, com muita luz nos olhos, o passo seguro, a cabeça levantada. Até o começo do século, não dispensava a bengala de castão de prata com que entrou pela primeira vez no sobrado do Foro, sobraçando a sua pasta de solicitador, para defender outro negro. Agora, trajava com simplicidade, muito limpo, a barba escanhoada, o paletó abotoado acima do peito, um alfinete de ouro junto ao laço da gravata.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">- Faça favor...</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Damião assustou-se com a voz rouca que lhe vinha por trás do ombro direito, do lado da Rua do Mocambo. Não tinha sentido rumor de passos. E deu de frente com o Sátiro Cardoso, pequenino, enxuto, metido na sua sovada casaca de mágico, o colarinho alto, o rosto encovado, bigode, nos negros olhos uma faísca de loucura, e que logo lhe disse, com um pedaço de papel impresso na ponta dos dedos:</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">- É o convite para o meu próximo espetáculo:</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">- Outra vez A queda da Bandeira?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">- É. O pessoal pede sempre. E o público é quem manda.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Damião quis ainda saber por que o velho mágico preferia aquela hora da noite, com as casas fechadas, para distribuir os seus convites.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">- De dia - redarguiu ele, dando-lhe outro convite - os moleques vêm atrás de mim, me chamando de Troíra. Chegam a atiçar cachorros para me morder. De noite é mais calmo: os moleques estão dormindo.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">E lá se foi, Rua do Mocambo abaixo, a enfiar o papelucho por baixo das portas, sem ruído, apenas roçando o chão da calçada com seu passo macio.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Já fazia alguns anos que Damião vira aparecer na cidade aquela figura caricata, debaixo de uma cartola preta, casaca, sapatos cambados, a andar acima e abaixo, com uma pasta de couro, também preta, e apresentando-se no Largo do Carmo, no Palácio do Governo, na redação dos jornais, no Liceu, no Paço Episcopal, e também à porta das igrejas, nas missas dominicais e nos casamentos, como - o Ilusor Maranhense. Dias depois, apenas por curiosidade, tinha ido assistir, no Teatro São Luís, ao seu primeiro espetáculo, que daí em diante se repetia todos os anos: a caprichada mágica intitulada A queda da Bandeira. Sátiro subia uma escada, até o último degrau, bem no centro do palco, e dali, com uma bandeira desfraldada, recitava comprido bestialógico, cheio de palavras abstrusas, numa suposta língua de sua invenção, o gramazino, da qual proporcionava antes um pano de amostra com esta explicação: "O A do alfabeto gramazino é a mesma coisa que o A do alfabeto em português, com a diferença de que se escreve de cabeça para baixo e tem o som de bé." Em seguida, enrolava-se na bandeira. Um tiro de pólvora seca estrondava, assustando a plateia. E eis que o mágico se atirava lá do alto, em arremesso, como se fosse voar, e caía pesadamente cá embaixo, nas tábuas do chão.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">- Bis, bis - gritava-lhe da torrinha.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">E Sátiro repetiu o monólogo, uma, duas, várias vezes, com o mesmo tiro e a mesma queda, até que Damião, compadecido de sua insânia, começou a reclamar - Chega! Chega! - e o mágico afinal se retirou, manquejando, uma das mãos no quadril machucado, enquanto o pano do teatro vinha descendo, debaixo de gritos e assobios.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Antes que ele desaparecesse, sempre a enfiar o impresso por baixo das portas, Damião mudou de calçada, ainda ouvindo o baticum dos tambores. Para trás, em linha reta, ficava o Cemitério do Gavião, com o Padre Policarpo, a Genoveva Pia, a Aparecida, o Dr. Celso de Magalhães, a Dona Bembém, a Dona Páscoa, a Dona Calu, o amigo Barão, cada qual no seu jazigo ou na sua cova rasa, na santa paz do Senhor. A frente, era o Largo do Quartel; em seguida, torcendo para a direita, a Rua das Hortas, o Largo da Cadeia, a Praia do Jenipapeiro e por fim a Gamboa, com a casa de sua bisneta, num cômoro verde que escorregava para o mar.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(<u>Os Tambores de São Luís,</u> 1975)</span></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração: Enzo Ferrara - Bumba meu boi de Sao Luís do Maranhão)</span></div>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-18526398121923092852024-01-14T07:06:00.000-08:002024-01-14T07:06:07.026-08:00INVOCATION / INVOCAÇÃO, de Kathleen Raine<p> </p><p class="MsoListParagraph" style="text-align: center; text-indent: 0cm;"><span style="font-family: "Book Antiqua",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: "Book Antiqua"; mso-fareast-font-family: "Book Antiqua";"><span style="mso-list: Ignore;"><span style="font: 7.0pt "Times New Roman";"> </span></span></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1KiEyK8f3MOICmOcC544oU_tna1FkMgt9p_MTOqE33IdOA7o20DWeNl7xj65z9Do2G1bmQc3DImPEUi9x4Eg6QJdLkei9Kx-gQQOJ8nhuDcXj3JW0EotrKBfs7Ww1Suk2ugp9-qjHgO8i991T8hMJOEOTgpFNX55QyCO4GdPgvtsU3CbcEdOfISaj0Fk/s802/xfig%20Elisa%20Riemer%204.webp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="802" data-original-width="567" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1KiEyK8f3MOICmOcC544oU_tna1FkMgt9p_MTOqE33IdOA7o20DWeNl7xj65z9Do2G1bmQc3DImPEUi9x4Eg6QJdLkei9Kx-gQQOJ8nhuDcXj3JW0EotrKBfs7Ww1Suk2ugp9-qjHgO8i991T8hMJOEOTgpFNX55QyCO4GdPgvtsU3CbcEdOfISaj0Fk/s320/xfig%20Elisa%20Riemer%204.webp" width="226" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="FR" style="font-family: "Book Antiqua",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: FR;"><o:p> </o:p></span></p>
<span style="font-family: georgia;"><b>There is a poem on the way, </b><br /><br /><b>There is a poem all round me, </b><br /><br /><b>The poem is in the near future, </b><br /><br /><b>The poem is in the upper air </b><br /><br /><b>Above the foggy atmosphere </b><br /><br /><b>It hovers, a spirit </b><br /><br /><b>That I would make incarnate. </b><br /><br /><b>Let my body sweat </b><br /><br /><b>Let snakes torment my breast </b><br /><br /><b>My eyes be blind, ears deaf, hands distraught </b><br /><br /><b>Mouth parched, uterus cut out, </b><br /><br /><b>Belly slashed, back lashed, </b><br /><br /><b>Tongue slivered into thongs of leather </b><br /><br /><b>Rain stones inserted in my breasts, </b><br /><br /><b>Head severed, </b><br /><br /> <br /><br /><b>If only the lips may speak, </b><br /><br /><b>If only the god will come. </b><br /><br /> <br /><br /><u>Tradução de Fabio Malavoglia: </u><br /><br /> <br /><br /><b>Há um poema a caminho, </b><br /><br /><b>há todo um poema a meu redor, </b><br /><br /><b>o poema está perto no futuro, </b><br /><br /><b>o poema está no alto ar </b><br /><br /><b>acima das neblinas da atmosfera </b><br /><br /><b>ele paira, espírito </b><br /><br /><b>que por mim se encarnará. </b><br /><br /><b>Deixem meu corpo suar, </b><br /><br /><b>que serpentes torturem meu peito </b><br /><br /><b>que meus olhos fiquem cegos, os ouvidos surdos, as mãos desamparadas </b><br /><br /><b>a boca ressecada, o útero extirpado, </b><br /><br /><b>o ventre dilacerado, as costas açoitadas, </b><br /><br /><b>a língua fatiada em tiras de couro </b><br /><br /><b>pedras de feitiço enfiadas nos meus seios, </b><br /><br /><b>a cabeça partida, </b><br /><br /> <br /><br /><b>contanto que os lábios falem, </b><br /><br /><b>contanto que o deus venha. </b><br /><br /> <br /><br />(Ilustração: Elisa Riemer)</span>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-6040416244464370422024-01-11T06:27:00.000-08:002024-01-11T06:27:57.638-08:00CONSTANTINOPLA (1439-1452): ANNA, de Anthony Doerr<p style="text-align: center;"> <span style="font-family: "Book Antiqua", serif; font-size: 12pt; line-height: 107%; text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-feature-settings: normal; font-kerning: auto; font-optical-sizing: auto; font-size: 7pt; font-stretch: normal; font-variant-alternates: normal; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-variant-position: normal; font-variation-settings: normal; line-height: normal;"> </span></span><span style="font-family: "Book Antiqua", serif; font-size: 12pt; text-align: justify; text-indent: 0cm;"> </span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3HhPUG1wo4OVUX2W-9n0Vy__JH8OPk0W0Im2i6Awrbq89MUdEZ4VDcip52H-N55jc7EeJ-z0NXNQEI7tSILn7CU8ByegdqApmkcHWwynFsDX8Szx_ZwqDTu-9zb5-Fnsus9HHrloFye5FJGxJvCuEIBWtEO1PKfvpZaSl9nNT4Q1_Z94XyqI3ArtQNP4/s944/xfig%20James%20Webb%20-%20Constantinople.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="630" data-original-width="944" height="214" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3HhPUG1wo4OVUX2W-9n0Vy__JH8OPk0W0Im2i6Awrbq89MUdEZ4VDcip52H-N55jc7EeJ-z0NXNQEI7tSILn7CU8ByegdqApmkcHWwynFsDX8Szx_ZwqDTu-9zb5-Fnsus9HHrloFye5FJGxJvCuEIBWtEO1PKfvpZaSl9nNT4Q1_Z94XyqI3ArtQNP4/s320/xfig%20James%20Webb%20-%20Constantinople.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Na quarta colina da cidade que chamamos de Constantinopla, mas cujos habitantes na época chamavam simplesmente de Cidade, em frente ao convento de Santa Teofania, a Imperatriz, no outrora grande ateliê de bordado de Nicholas Kalaphates, mora uma órfã chamada Anna. Ela só começa a falar aos três anos. Daí em diante, são só perguntas o tempo todo.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Por que respiramos, Maria? Por que os cavalos não têm dedos, Maria? Se eu comer um ovo de corvo, meu cabelo vai ficar preto? A Lua cabe dentro do Sol, Maria, ou é o contrário?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">As freiras de Santa Teofania a chamam de Macaca, porque ela está sempre subindo nas árvores frutíferas, os meninos da Quarta Colina a chamam de Mosquito, porque ela não os deixa em paz, e a bordadeira-chefe, a Viúva Teodora, diz que ela deve ser chamada de Caso Perdido, porque é a única criança que conheceu em toda a sua vida capaz de aprender um ponto em um dado momento e logo em seguida esquecê-lo completamente.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Anna e sua irmã mais velha, Maria, dormem em uma cela com apenas uma janela, ao lado da copa, em que mal cabe um colchão de crina. As duas juntas têm quatro moedas de cobre, três botões de marfim, um cobertor de lã e um ícone de santa Corália que pode ou não ter pertencido à mãe delas. Anna nunca provou creme de leite doce, nunca comeu uma laranja e nunca pôs os pés fora das muralhas da cidade. Quando completar catorze anos, todas as pessoas que conhece estarão escravizadas ou mortas.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Alvorada. Chuva cai sobre a cidade. Vinte bordadeiras sobem a escada até a oficina e encontram seus bancos, a Viúva Teodora vai de janela em janela abrindo as venezianas. Ela diz:</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Abençoado, proteja-nos da ociosidade.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">E as bordadeiras completam:</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Pois cometemos inúmeros pecados.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">A Viúva Teodora destranca o armário das linhas e pesa os fios de ouro e prata e as caixinhas de pérolas miúdas, registra os pesos em uma tabuleta de cera e, assim que o cômodo está suficientemente claro para distinguir uma linha preta de uma branca, elas começam.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">A mais velha, com setenta anos, é Tecla. A mais jovem, com sete anos, é Anna. Ela está empoleirada ao lado da irmã e observa Maria desenrolar sobre a mesa uma estola de padre bordada pela metade. Ao longo das bordas do paramento, em círculos precisos, vinhas se contorcem em volta de cotovias, pavões e pombas.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Agora que fizemos o contorno de João Batista — diz</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Maria —, vamos acrescentar suas feições. — Ela enfia na agulha linhas de algodão de cores iguais, fixa um bastidor no centro da estola e executa uma série de pontos partidos. — Viramos a agulha e passamos sua ponta pelo centro do último ponto, dividindo as fibras assim, está vendo?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Anna não vê. Quem quer uma vida daquelas, curvada o dia todo em cima de agulhas e linhas, costurando santos e estrelas e grifos e vinhas nas vestimentas dos hierarcas? Eudóxia canta um hino sobre as três crianças sagradas, Ágata canta outro sobre as provações de Jó e a Viúva Teodora esquadrinha a sala de trabalho como uma garça atrás de peixinhos. Anna tenta seguir a agulha de Maria — pesponto, ponto pena —, mas, bem na frente da mesa delas, um pequeno cartaxo marrom pousa no parapeito, se sacode para secar as costas, canta uí-chaque-chaque e, em um piscar de olhos, Anna começa a se imaginar dentro daquele pássaro. Ela sai do parapeito batendo as asas, se esquiva dos pingos de chuva e alça voo rumo ao sul, sobrevoando o bairro e as ruínas da basílica de São Polieucto. Gaivotas revoam em volta da cúpula de Santa Sofia como preces rodeando a cabeça de Deus, o amplo estreito de Bósforo está repleto de ondas com cristas espumosas, o galeão de um mercador está dando a volta no promontório, as velas estufadas, e Anna voa ainda mais alto, até a cidade ser apenas uma treliça de telhados e jardins, até ela estar nas nuvens, até...</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Anna — sussurra Maria. — Qual fio de seda aqui?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Do outro lado da sala de trabalho, a atenção da Viúva Teodora se volta para elas.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Carmesim? Enrolado em fio metálico?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Não — suspira Maria. — Carmesim, não. E nada de fio metálico.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O dia inteiro ela vai buscar linha, vai buscar cambraia, vai buscar água, vai buscar o almoço de feijão e azeite das bordadeiras. À tarde, elas ouvem o tropel de um burro e a saudação do porteiro e os passos de Kalaphates na escada. Todas as mulheres se sentam um pouco mais eretas, costuram um pouco mais rápido. Anna rasteja sob as mesas recolhendo todos os retalhos de linha que consegue achar, sussurrando para si mesma:</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Sou pequena, sou invisível, ele não consegue me ver.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Com braços exageradamente compridos, um nariz que parece um bico e sua corcunda belicosa, Kalaphates, como qualquer outro homem que ela já viu, se parece com um abutre. Ele emite pequenos cliques de desaprovação enquanto passa mancando entre os bancos, escolhendo uma bordadeira atrás da qual finalmente parar, Eugênia hoje, e reclama da lentidão do trabalho dela, de como, no tempo do pai dele, nunca teriam permitido que uma incompetente como ela chegasse perto de um fardo de seda, e será que aquelas mulheres não entendem que cada dia mais províncias são perdidas para os sarracenos, que a cidade é a última ilha de Cristo em um mar de infiéis, que se não fosse pelas muralhas de proteção todas elas estariam à venda em um mercado de escravos em algum fim de mundo esquecido por Deus?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Kalaphates está ficando cada vez mais furioso, quando o porteiro toca o sino para indicar a chegada de um cliente. Ele enxuga a testa e põe sua cruz dourada sobre a abertura da camisa e desce as escadas oscilando, e todas suspiram aliviadas. Eugênia solta as tesouras; Ágata massageia as têmporas; Anna sai de baixo de um banco. Maria continua a costurar.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Moscas fazem acrobacias entre as mesas. Lá de baixo, sobem risadas masculinas.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Uma hora antes de escurecer, a Viúva Teodora a chama.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— Se Deus quiser, criança, ainda não está tarde demais para botões de alcaparras. Vão aliviar a dor nos pulsos de Ágata e melhorar a tosse de Tecla também. Procure os que estão prestes a florescer. Volte antes dos sinos das Vésperas, cubra a cabeça e tome cuidado com vagabundos e miseráveis.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Anna mal consegue manter os pés no chão.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">— E não corra. Suas entranhas vão cair.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Ela se força a descer os degraus devagar, atravessar o pátio devagar, passar pelo vigia devagar — e depois voa. Passa pelos portões de Santa Teofania, passa pelos pedaços enormes de granito de uma coluna caída, passa por entre duas fileiras de monges que se arrastam pela rua com seus hábitos negros, como corvos que não podem voar. Poças brilham nos becos; três cabras pastam nas ruínas de uma capela destruída e levantam a cabeça para olhá-la exatamente naquele momento.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Provavelmente vinte mil alcaparreiras crescem mais perto do ateliê de Kalaphates, mas Anna percorre o quilômetro que a separa das muralhas da cidade. Ali, em um pomar sufocado por urtigas, na base da grande muralha interna, fica um postigo, mais antigo do que a memória de todos. Ela escala uma pilha de tijolos caídos, esgueira-se pelo vão e sobe uma escada sinuosa. Seis voltas até o topo, entre cortinas de teias de aranha, e ela entra na pequena torre de um arqueiro iluminada por duas seteiras em lados opostos. Há destroços por toda parte; areia filtra pelas rachaduras no chão sob seus pés em fluxos audíveis; uma andorinha assustada sai voando.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Sem fôlego, ela espera que os olhos se acostumem. Séculos atrás, alguém — talvez um arqueiro solitário, entediado pela sentinela — pintou um afresco na parede que dá para o sul. Tempo e intempéries descascaram boa parte do reboco, mas a imagem permanece clara.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Na extremidade esquerda, um burro com olhos grandes e tristes está à beira-mar. A água é azul e está entrecortada por ondas geométricas; e na extremidade direita, flutuando sobre uma jangada de nuvens, mais alto do que Anna consegue alcançar, resplandece uma cidade com torres de bronze e prata.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Ela já olhou para aquela pintura meia dúzia de vezes e sempre algo se agita dentro dela, uma sensação inefável da atração dos lugares distantes, da imensidão do mundo e da sua pequenez dentro dele. O estilo é totalmente diferente do trabalho executado pelas bordadeiras no ateliê de Kalaphates, a perspectiva é mais estranha, as cores, mais elementares. Quem é o burro e por que ele parece tão infeliz? E o que é aquela cidade — Sião, paraíso, a cidade de Deus? A menina fica na ponta dos pés com muito esforço; entre rachaduras no reboco, ela consegue distinguir pilares, arcadas, janelas, pequenas pombas voando ao redor das torres.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Embaixo, nos pomares, rouxinóis estão começando a cantar. A luz desvanece, o chão range, a velha torre parece se aproximar cada vez mais do esquecimento e Anna se esgueira pela janela que dá para oeste e chega ao parapeito, onde uma fila de alcaparreiras estende as folhas para o pôr do sol.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Ela colhe os botões, jogando-os no bolso à medida que vai avançando. Mesmo naquele momento, o mundo exterior atrai sua atenção. Para além da muralha externa, para além do fosso entulhado de algas, ele a espera: olivais, trilhas de cabras, a figura minúscula de um homem conduzindo dois camelos ao longo da estrada. As pedras exalam o calor do dia; o sol desaparece no horizonte. Quando os sinos das Vésperas começam a tocar, só um quarto do seu bolso está cheio. Ela vai se atrasar; Maria vai ficar preocupada; a Viúva Teodora vai ficar zangada.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Anna entra novamente na torre e para mais uma vez embaixo da pintura. Mais um respiro. No crepúsculo, as ondas parecem se mover, a cidade parece cintilar; o burro anda para a frente e para trás na praia, desesperado para cruzar o mar.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(<u>Cidade nas nuvens</u>; tradução de Marcello Lino)</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div> <div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração: James Webb – Constantinople)</span></div><div style="text-align: justify;"><br /></div> Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-79622357320654406882024-01-08T06:16:00.000-08:002024-01-08T06:19:42.351-08:00MUERTE DE SOLEDAD BARRETT / MORTE DE SOLEDAD BARRETT, de Mario Benedetti (*)<p style="text-align: center;"> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMz4Hrolx11NujMd8obH3CLRVBr2t3ZmmN_plz3X22_ftQVxtVZsJ_jyQWw_ZZdNemMTsutnNyr1b6PP5yhzyzGhJJVc_DyPigvDxrzXW0jEgpzfqzjJnV5VzixNGNMhgIm4Co9w4AioxgBKI8qyBl6j394-E_h0W4XBeo8iiyqw0nRE0GDvhh-adYQPk/s983/foto%20Soledad%20Barrett%20Viedma%20(autoria%20n%C3%A3o%20identificada).jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="983" data-original-width="800" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMz4Hrolx11NujMd8obH3CLRVBr2t3ZmmN_plz3X22_ftQVxtVZsJ_jyQWw_ZZdNemMTsutnNyr1b6PP5yhzyzGhJJVc_DyPigvDxrzXW0jEgpzfqzjJnV5VzixNGNMhgIm4Co9w4AioxgBKI8qyBl6j394-E_h0W4XBeo8iiyqw0nRE0GDvhh-adYQPk/s320/foto%20Soledad%20Barrett%20Viedma%20(autoria%20n%C3%A3o%20identificada).jpg" width="260" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Book Antiqua",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span><span style="font-family: "Book Antiqua", serif; font-size: 12pt; text-align: justify;"> </span><b><span style="font-family: georgia;">Viviste aquí por meses o por años</span></b></p><div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">trazaste aquí una recta de melancolía</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">que atravesó las vidas y las calles</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">Hace diez años tu adolescencia fue noticia</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">te tajearon los muslos porque no quisiste</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">gritar viva Hitler ni abajo Fidel</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">Eran otros tiempos y otros escuadrones</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">pero aquellos tatuajes llenaron ele asombro</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">a cierto uruguay que vivía en la luna</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">y claro entonces no podías saber</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">que de algún modo eras</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">la prehistoria de ibero</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">Ahora acribillaron en Recife</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">tus veintisiete años</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">de amor templado y pena clandestina</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">Quizá nunca se sepa cómo ni por qué</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">Los cables dicen que te resististe</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">y no habrá más remedio que creerlo</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">porque lo cierto es que te resistías</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">con sólo colocárteles en frente</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">sólo mirarlos</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">sólo sonreír</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">sólo cantar cielitos cara al cielo</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">Con tu imagen segura</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">con tu pinta muchacha</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">pudiste ser modelo</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">actriz</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">miss Paraguay</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">carátula</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">almanaque</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">quién sabe cuántas cosas!</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">Pero el abuelo Rafael el viejo anarco</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">te tironeaba fuertemente la sangre</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">y vos sentías callada esos tirones</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">Soledad no viviste en soledad</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">por eso tu vida no se borra</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">simplemente se colma de señales</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">Soledad no moriste en soledad</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">por eso tu muerte no se llora</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">simplemente la izamos en el aire</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">desde ahora la nostalgia será</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">un viento fiel que hará flamear tu muerte</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">para que así aparezcan ejemplares y nítido</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">las franjas de tu vida</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">Ignoro si estarías</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">de minifalda o quizá de vaqueros</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">cuando la ráfaga de pernambuco</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">acabó con tus sueños completos</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">por lo menos no habrá sido fácil</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">cerrar tus grandes ojos claros</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">tus ojos donde la mejor violencia</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">se permitía razonables treguas</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">para volverse increíble bondad</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">y aunque por fin los hayan clausurado</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">es probable que aún sigas mirando</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">soledad compatriota de tres o cuatro pueblos</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">el limpio futuro por el que vivías</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">y por el que nunca te negaste a morir.</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><u>Tradução de Urariano Mota:</u></span></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">Viveste aqui por meses ou por anos</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">traçaste aqui uma reta de melancolia</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">que atravessou as vidas e a cidade</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">Faz dez anos tua adolescência foi notícia</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">te marcaram as coxas porque não quiseste</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">gritar viva Hitler nem abaixo Fidel</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">eram outros tempos e outros esquadrões</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">porém aquelas tatuagens encheram de assombro</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">a certo Uruguai que vivia na lua</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">e claro então não podias saber</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">que de algum modo eras</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">a pré-história do íbero</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">agora metralharam no recife</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">teus vinte e sete anos</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">de amor de têmpera e pena clandestina</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">talvez nunca se saiba como nem por quê</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">os telegramas dizem que resististe</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">e não haverá mais jeito que acreditar</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">porque o certo é que resistias</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">somente em te colocares à frente</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">só em mirá-los</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">só em sorrir</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">só em cantar cielitos com o rosto para o céu</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">com tua imagem segura</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">com teu ar de menina</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">podias ser modelo</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">atriz</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">miss Paraguai</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">capa de revista</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">calendário</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">quem sabe quantas coisas</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">porém o avô Rafael o velho anarco</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">te puxava fortemente o sangue</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">e tu sentias calada esses puxões</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">Soledad solidão não viveste sozinha</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">por isso tua vida não se apaga</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">simplesmente se enche de sinais</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">Soledad solidão não morreste sozinha</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">por isso tua morte não se chora</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">simplesmente a levantamos no ar</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">desde agora a nostalgia será</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">um vento fiel que flamejará tua morte</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">para que assim apareçam exemplares e nítido</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">as franjas de tua vida</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">ignoro se estarias</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">de minissaia ou talvez de jeans</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">quando a rajada de Pernambuco</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">acabou completo os teus sonhos</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">pelo menos não terá sido fácil</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">cerrar teus grandes olhos claros</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">teus olhos onde a melhor violência</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">se permitia razoáveis tréguas</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">para tornar-se incrível bondade</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">e ainda que por fim os tenham encerrado</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">é provável que ainda sigas olhando</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">Soledad compatriota de três ou quatro povos</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">o limpo futuro pelo qual vivias</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;">e pelo qual nunca te negaste a morrer.</span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: center;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><i>(*) Dia 8 de janeiro de
1973, a poetisa e intelectual paraguaia Soledad Barrett Viedma foi cruelmente
torturada e assassinada pela ditadura militar, em Pernambuco. Ela estava
grávida de Daniel, codinome do Cabo Anselmo, que a traiu e a entregou à sanha de
seus algozes. Soledad foi encontrada nua, dentro de um barril numa poça de
sangue, tendo aos pés o feto de quatro meses, expelido provavelmente durante as
sessões de torturas. Este foi um dos mais hediondos crimes cometidos nos anos
de regime militar no Brasil.</i></div></div>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><span style="font-family: georgia;"><b> </b></span></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração: foto da internet: Soledad Barrett Viedma - autoria não identificada)<b><o:p></o:p></b></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><span style="font-family: georgia;"><b> </b></span></o:p></span></p>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2178291422698222479.post-26925990551259203812024-01-05T06:48:00.000-08:002024-01-05T06:48:00.498-08:00INTERMEZZO Nº 3 (O TREVO DE QUATRO FOLHAS), de Eugen Ionescu<p> </p><div style="text-align: center;"><b><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjDsaYzeW6x0qwy8729wuL0-4vxZGU_dR1rrFSCvnywpw90m9zuLLIf6WhyphenhyphenFjvTspXCFgdi4JQESOl5uCem-snOuws3sMZZsoncEAh-G9LPaEJigK081NGzwOzW3Okb-RQM9tJKFlvDDFO60lyd0eTudqPtyUn5d5KiqaQpq9Gwz3bJdtwI4iCQNeC_wXY/s600/xfig%20Jules%20Perahim%20-%20the%20council%20-%201936.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="600" data-original-width="450" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjDsaYzeW6x0qwy8729wuL0-4vxZGU_dR1rrFSCvnywpw90m9zuLLIf6WhyphenhyphenFjvTspXCFgdi4JQESOl5uCem-snOuws3sMZZsoncEAh-G9LPaEJigK081NGzwOzW3Okb-RQM9tJKFlvDDFO60lyd0eTudqPtyUn5d5KiqaQpq9Gwz3bJdtwI4iCQNeC_wXY/s320/xfig%20Jules%20Perahim%20-%20the%20council%20-%201936.jpg" width="240" /></a></div><br /><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O sábio Berembest constatou, baseando-se em demoradas pesquisas e observações, que, para cada noventa e sete trevos com três folhas, há três trevos com quatro folhas. O italiano Micoromegassini constatou, entretanto, a porcentagem de dois trevos com quatro folhas por cento. E o alemão Glumenblatt [1], de seis por cento. Tais estatísticas contraditórias suscitaram vívidas, calorosas e apaixonadas controvérsias, polêmicas, duelos, assassinatos e suicídios.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Os três sábios mundiais reuniram-se, então, numa localidade misteriosa, situada na confluência de dois rios espanhóis e procuraram, baseando-se em documentação extremamente séria, constatar uma verdade eclética. Mas como nenhum deles queria ceder ou renunciar a uma só folha de trevo, a situação ficou muito tensa. Esta, porém, se agravou ainda mais no momento em que um quarto sábio, o polonês Asmatzukievitz, afirmou que, de cem trevos, não há nenhum com quatro folhas.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Sua asserção parecia solidamente fortalecida por provas bem fundamentadas, de maneira que a opinião científica mundial passou a pender sensivelmente para o lado dele. Para apoiar suas convicções, ele apresentou ainda um argumento de ordem teórica: o trevo significa, por definição, três folhas; logo, o trevo de quatro folhas constitui uma contradição flagrante.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Os outros três sábios, embora adversários, uniram-se contra o adversário comum, o polonês Asmatzukievitz. Redigiram juntos um calhamaço, por meio do qual combatiam com ardor as teorias do polonês. Eles defendiam a interessante tese conforme a qual a realidade do trevo é irracional e ilógica. Por ser ilógica, ou propriamente dito até mesmo alógica, não se lhe podem aplicar critérios lógicos.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O trevo de quatro folhas não é possível do ponto de vista lógico, mas é possível na vida. E a melhor prova disso não seria o fato de que existem dois, quatro ou seis por cento?</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O polonês respondeu ironicamente por meio de um ensaio, escrito num tom espirituoso e sossegado. Essencialmente, seu conteúdo era o seguinte: uma defesa do espírito lógico; a realidade encontra-se submetida aos princípios da lógica; só às cabeças dos três sábios falta lógica, generalizando o seu caso particular e patológico. Se acreditássemos neles, então, os três sábios seriam quatro, assim como quatro seriam as quatro folhas do trevo. Aplicando, contudo, o próprio método dos três sábios, o método empírico, contamo-los e percebemos que os três sábios são apenas três. Por conseguinte, presumindo que realmente existiriam, dentre cem trevos de três folhas, dois, três ou seis trevos de quatro folhas, todo trevo deveria ser 2 centésimos ou 4 centésimos ou 6 centésimos de quatro folhas. Mas o trevo de três folhas não possui nem mesmo um centésimo da quarta folha.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">O sábio Berembest, como réplica, fotografou um trevo de quatro folhas (meio murcho, é verdade) e reproduziu a fotografia no jornal Times. Mas Asmatzukievitz não se deixou intimidar de maneira alguma. Ele afirmou que a essência do trevo é a de possuir três folhas. Que o trevo de quatro folhas é inverdadeiro, inautêntico, patológico, uma aberração. Ora, a ciência trata apenas da verdade; o caso do trevo de quatro folhas não pode ser generalizado, pois não é uma característica essencial do trevo; e mesmo que exista, é como se não existisse. Aliás, o polonês acredita que salvo engano não existe tal trevo; e que duvida extremamente da autenticidade da fotografia de Berembest. Ele mesmo reproduziu um trevo de três folhas, um trevo verde e viçoso, que contrapôs ao trevo murcho de Berembest. Declarou deixar a opinião mundial tirar suas próprias conclusões.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Todos os intelectuais do mundo participaram ativa e veementemente da controvérsia. Abriram-se inquéritos. Caíram governos. Eclodiram revoluções. Só uma velha se penteava enquanto tudo isso acontecia [2]. Foi surpreendida em flagrante delito. Condenada. Queimada viva. E em todos os países iniciou-se então uma caça aos fabricantes de pentes. Fecharam-se fábricas. Confiscaram-se pentes por ser considerado um luxo criminoso pentear-se em momentos tão graves, em que a paz ou a guerra no mundo seriam decididas. A situação planetária tornou-se extremamente tensa e complicada.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Um chinês chamado Pein-Te-A-Do pôs lenha na fogueira ao aparecer com uma nova teoria inspirada nos trevos do polonês, afirmando que o trevo de quatro folhas existe na quantidade de cinquenta por cento; os de três folhas, portanto — após minuciosíssimos cálculos — também cinquenta por cento.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Os europeus protestaram, então, junto à Liga das Nações, querendo saber por que “o chinês está se metendo”, “o chinês entende do quê?” Ademais, o nome dele, que recorda um utensílio reprovado desde o tempo da velha, constituía uma insolência descarada. Em vão se defendeu, por um lado jurando ser movido por desejos objetivos de pesquisa científica; por outro, alegando que o i, essencialmente inútil na palavra Penteado, está incluído no nome daquele que se chama Pein-Te-A-Do e não Pen-Te-A-Do. Pois, nesse caso, deveria ser também eliminada do dicionário a palavra francesa peinture, que não começa como “penteado”.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Os franceses, sentindo-se diretamente ofendidos, queixaram-se por via diplomática junto ao governo chinês, que contudo não quis saber de nada, como se estivessem falando grego.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Pein-Te-A-Do foi alvo de uma tentativa de atentado, à qual os chineses responderam com uma tentativa de incêndio do consulado francês de Xangai. A França decretou mobilização geral. Uma guerra com certeza teria eclodido não fosse um novo evento que abrandou um pouco as tensões:</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Cinco criancinhas (uma japonesa, outra bengali, outra holandesa, outra sul-americana e outra antissemita) reuniram cada uma uma coleção de cem trevos.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">A primeira criança tinha três trevos de quatro folhas; a segunda, dois; a terceira, seis; a quarta, nenhum; a quinta, cinquenta.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Imediatamente, toda a culpa devidamente caiu sobre a responsabilidade dos cinco sábios. Cada um deles tinha razão separadamente, mas não juntos; os fatos falam por si. Eles continuam quebrando a cabeça sem nada entender, tentando, perplexos, solucionar o intrigante problema.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Permanecem escondidos em algum lugar onde não crescem trevos, pros- seguindo assim suas pesquisas de maneira puramente teórica. Cada um deles tem um punhado de partidários.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Desde então, contudo, a ciência foi desconsiderada e a paz no mundo, provisoriamente garantida.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;">Mas a história não terminou. Isso nem seria possível.</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div> <div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: georgia;"><br /></span></b></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(<u>Nu</u>. Bucureşti: Humanitas, 1991; tradução de Fernando Klabin)</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div> <div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i>Notas:</i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div> <div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i>[1] Nome criado pelo autor usando a palavra romena “gluma” (piada) e a alemã “Blatt” (folha). (n.t.)</i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;"><i>[2] Ionesco brinca aqui com um conhecido provérbio romeno, “Ţara arde şi baba se piaptănă” (O país está pegando fogo enquanto a velha se penteia), usado para designar uma pessoa que não compreende a importância de agir conforme uma situação de emergência. (n.t.)</i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div> <div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;">(Ilustração: Jules Perahim: the council, 1936)</span></div>Isaias Edson Sidneyhttp://www.blogger.com/profile/03258796756228632627noreply@blogger.com0