terça-feira, 30 de dezembro de 2014

O SEIO ESQUERDO, de Lilian Maial






Aconteceu.

Ninguém espera

E, na primavera,

Foi-se o seio esquerdo.




Foi-se o toque,

Ficou a sensação fantasma

Foi-se o alimento,

Ficou o vazio no peito.




Como ser mulher, sem o seio esquerdo?

Como ser mãe, sem a mama esquerda?

Como ser profissional, sem o outro par?

Como se olhar no espelho nua?




O seio direito, encabulado,

Só e pendurado,

Emoldurando o luto

Do parceiro canhoto.




Está faltando o outro.

São dois.

Originalmente dois.

Há que ser dois.




Nunca mais seus dedos

Apertando a carne macia e rosada

Nunca mais sua boca

A brincar de trincar e arrepiar

Nunca mais a dança sensual

Dos pares no banho

E entre lençóis de cetim.




Há um imenso vazio

Bem maior que a mama

Que atinge camadas profundas

Da própria natureza fêmea.




Há a ausência constante

Lembrada todo o tempo

Pelo traço da cicatriz

Dessa ferida que não fecha.




Há a dor, os ductos, os lutos

Mágoa infiltrante, ingrata, infeliz.

Dias vividos sem perceber…

E para quê viver?




Olhos que nunca repararam,

Agora se recusam a olhar.

Não tem remédio.

Não tem escolha.




Tem alopécia, náusea e dor,

Tem quimioterapia.

Tem agonia,

Solidão de espinho e flor.




Tão falso o enchimento,

Disfarça a roupa,

Como peruca da alma,

Que dribla olhares piedosos

De mulher barbada de circo

Que extirpa seus próprios caroços.




Os dias arrastados, as horas contadas…

Quando volta ao normal?

Quando se acorda do pesadelo?

Ou tentar esquecê-lo?




É tão desigual, tão caolha!

Fica sem sentido, tão velha!

Um robusto, imponente, desejável,

Outro, um traço doente, indelével, lamentável.




Luta diária e desanimada

Para sobreviver.

Corpo sem jeito,

Mulher sem peito, que cala o grito

Tempo finito, seio bonito

Que se foi.




(Ilustração: Catherine Abel)






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