quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

CONVERSA SOBRE POESIA COM O FISCAL DE RENDAS, de Vladimir Maiakóvski









Cidadão fiscal de rendas!

Desculpe a liberdade.



Obrigado...

Não se incomode...

Estou à vontade.

A matéria

que me traz

é algo extraordinária:

o lugar do

poeta

na sociedade proletária.

Ao lado

dos donos

de terras e vendas

estou também

citado

por débitos fiscais.

Você me exige

500 rublos

por 6 meses e mais

25 por falta

de declaração de rendas.

O meu trabalho

a todo

outro trabalho

é igual.

Veja só

quantas perdas de vulto,

que despesas

requerem

meus produtos

e quantos gastos

com material.

Você conhece

por certo

o fenômeno "rima":

suponha

que uma linha

finde na palavra "pai"

e que ao fim da

outra linha,

menos uma,

imprima

por exemplo

a palavra

"lampaipapai".

Em linguagem de fisco

a rima

é uma letra a termo fixo

para desconto

ao fim da linha

sem mais prazos.

E sai-se à caça

da minúcia

de flexão ou sufixo

na caixa escassa

das conjugações

e casos.

Tenta-se por

essa palavra

numa linha

mas ela não cabe,

força-se

e ela se esfarinha.

Cidadão fiscal de rendas,

eu lhe juro,

as palavras custam

ao poeta

um duro juro.

Para nós,

a rima

é um barril.

Barril de dinamite.

O verso, um estopim.

A linha se incendeia

e quando chega ao fim

explode

e a cidade em estrofe

voa em mil.

Onde encontrar

e a que tarifa

uma rima que mire

e mate de uma vez? Dela

talvez

ainda sobrevivam

cinco exemplares

nos confins

da Venezuela.

E tenho que enfrentar

pólos e saaras,

e me lanço

entre dívidas

e vales dividido.

Cidadão,

condescenda,

as passagens são caras!

A poesia

- toda -

é uma viagem ao desconhecido.

A poesia

é como a lavra

do rádio,

um ano para cada grama.

Para extrair

uma palavra,

milhões de toneladas de palavras-prima.

Porém

que flama

de uma tal palavra emana

perto

das brasas

da palavra-bruta.

Essas palavras

põem em luta

milhões de corações

por milhares de anos.

Por certo

há poetas

de diversas classes.

Quantos vates

têm dedos ágeis!

Vertem versos

da boca

como mágicos,

tanto deles

como dos clássicos.

E que dizer

dos líricos castrados?!

Furtam

linhas alheias

e se fartam -

tipo

de peculato

dos mais alastrados

neste país, entre outros peculatos.

Esses

versos e odes

que os simplórios

aplaudem hoje

com soluços e confetes

passarão

à história

como os gastos acessórios

da obra

que fizemos,

dois ou três poetas.

Come,

como se diz,

quilos de sal,

maços

e maços

de cigarros consome

para extrair

a palavra essencial

das profundezas

artesianas do homem.

E de repente

o imposto

já não é tão caro.

Tire

a roda de um zero

do total!

Um rublo e noventa

custam os cigarros,

Um e sessenta,

o quilo de sal.

No questionário

há um monte de quesitos:

"O Sr. fez viagens?

Sim ou não?"

Mas como,

se eu fiz voos infinitos

em dezenas de pégasos

nestes 15 anos?!

E agora

- ponha-se no meu lugar -

nesta coluna

há algo

sobre criados

e fortuna.

Mas como,

se sou dirigente

e servidor

também

de toda a gente?

A classe

fala

pelas nossas palavras.

Nós somos

proletários

e motores da pena.

A máquina

da alma

com os anos se trava,

e dizem:

- Ao arquivo!

Acabou-se.

Um de menos!

Menos amor,

cada vez menos ações,

e o tempo

na corrida

minhas têmporas esmaga.

E vem

a mais terrível

das amortizações.

a de almas e corações

- última paga.

E quando

este sol

cevado como um porco

se erguer

sobre um porvir

sem mutilados nem mendigos



estarei

podre e morto,

de borco,

junto

de uma dezena

de colegas.

Façam

o meu balanço

a posteriori!

Mas eu afirmo

(e sei

que meu verso não mente):

no meio

dos atuais

traficantes e finórios

eu estarei

- sozinho! -

devedor insolvente.

A nossa dívida

é uivar

com o verso,

entre a névoa burguesa,

boca brônzea de sirene.

O poeta

é o eterno

devedor do universo

e paga

em dor

porcentagens

de pena.





Eu

estou em dívida

com os lampiões da Broadway,

com o Exército Vermelho,

com vocês,

céus de Bagdádi [1],

as cerejeiras do Japão

e toda a infinidade

a que eu não pude dar

a sobra de uma ode.

Mas para que

afinal

estas molduras são?

Para que fazer

da rima, mira

e do ritmo, chibata?

A palavra do poeta

é a tua ressurreição,

a tua imortalidade,

cidadão burocrata.

Daqui a séculos,

do papel mudo

toma um verso

e o tempo ressuscita.

E volverá

este dia,

seus fiscais de tributos,

a miragem dos mitos

e a catinga de tinta.

Convicto vivente contemporâneo,

compra

no Comissariado

uma passagem para a imortalidade

e, computados,

os efeitos do verso,

reparte,

o meu salário

por trezentos anos!

Mas a força do poeta

não se reduz só

a que te lembrem

no futuro

entre soluços.

Não!

Hoje também

a rima do poeta

é carícia

slogan

açoite

baioneta.

Cidadão fiscal de rendas,

eu encerro.

Pago os 5

e risco

todos os zeros.

Tudo

o que quero

é um palmo de terra

ao lado

dos mais pobres

camponeses e obreiros.

Porém

se vocês pensam

que se trata apenas

de copiar

palavras a esmo,

eis aqui, camaradas,

minha pena,

podem

escrever

vocês mesmos!





[1] Cidade em que nasceu o poeta


(Tradução de Augusto Campos)



(Ilustração: Dave Whitlam - the inspiration cycle)


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