quarta-feira, 28 de setembro de 2011

DE SÚBITO CESSOU A VIDA, de Henriqueta Lisboa







De súbito cessou a vida.
Foram simples palavras breves.
Tudo continuou como estava.


O mesmo teto, o mesmo vento,
o mesmo espaço, os mesmos gestos,
Porém como que eternizados.


Unção, calor, surpresa, risos
tudo eram chapas fotográficas
há muito tempo reveladas.


Todas as cousas tinham sido
e se mantinham sem reserva
numa sucessão automática.


Passos caminhavam no assoalho,
talheres batiam nos dentes,
janelas se abriam, fechavam.


Vinham noites e vinham luas,
madrugadas com sino e chuva.
Sapatos iam na enxurrada.


Meninas chegavam gritando.
Nasciam flores de esmeralda
no asfalto! mas sem esperança.


Jornais prometiam com zelo
em grandes tópicos vermelhos
o fim de uma guerra. Guerra?...


Os que não sabiam falavam.
Quem não sentia tinha o pranto.
(O pranto era ainda o recurso
de velhas cousas coniventes.)


Nem o menor sinal de vida.
Tão-só no fundo espelho a face
lívida, a face lívida.



(A Face Lívida,1945)



(Ilustração: Fritz Aigner)



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