quinta-feira, 8 de setembro de 2011

CATÁSTROFE, de Luiz Vilela







— Vai ser uma catástrofe!
— O que eu podia fazer?
— Você podia ter falado pra ela não vir.
— Eu ia falar uma coisa dessas?
— Por que não?
— Uma pessoa me telefona falando que quer vir passar uns dias na minha casa: aí eu falo pra ela não vir?
— Por que não?
— Você falaria?
— Claro que eu falaria.
— Pois eu não.
— Eu falaria: "Escuta, fulana, eu fico muito feliz de você ter se lembrado de mim e da minha casa, mas seria melhor você não vir, porque meu marido não só não aprecia visitas, como também, e principalmente, não aprecia crianças, tanto é que nós não as temos.”
— Muito engraçado... Já imaginou eu dizendo isso pra ela ou pra quem quer que seja?
— Você não disse; o resultado aí está: eles vêm.
— São só seis dias, Artur.
— Só seis dias...
— Ela quer aproveitar a Semana da Criança.
— E nós com isso?
— Ela queria dar um presente para os meninos, e aí ela escolheu esse passeio.
— Muito bonito: ela dá o presente, e nós pagamos a conta...
— Ela me disse: "Mimi, sabe de que os meus filhos estão precisando? Sabe de quê? Eles estão precisando de um banho de interior."
— Se depender de mim, eles vão ter é um banho de sangue.
— "Você acredita, Mimi, você acredita que até hoje alguns dos meus meninos nunca viram uma galinha de verdade?”
— Por que eles não vão numa granja? Perto de São Paulo existem dezenas.
— Ah, Artur; você sabe que não é isso.
— Então é o quê?
— Você sabe que... É como a Dininha disse: "Uma galinha passando na rua, os pintinhos atrás...”.
— Galinha passando na rua...
—"A galinha ciscando..."
— Essa sua amiga é maluca...
— São essas coisas, entende? São essas coisas que ela quer...
— É maluca sua amiga.
— Não, maluca ela não é não.
— Começa pelos filhos. Ou melhor: por ter filhos, já que ter filhos é um ato de insanidade mental.
— Ter filhos é um ato de amor, Artur.
— Os ratos que o digam.
— Ter filhos...
— Já começa por aí, por ter filhos; agora, ter sete, sete filhos: isso é a própria loucura.
— Por quê?
— Porque é.
— Eu não acho.
— E os nomes? Os nomes dos moleques...
— Quê que tem os nomes?
— Repete aí pra mim...
— Pra quê?
— Repete...
— Dagoberto, Delmiro, Dilermando, Donato, Durango, Dorval e Durval.
— Santa Maria...
— Os dois últimos são gêmeos.
— Bem feito. Deus castiga.
— Eu tenho muita dó da Dininha; muita. Já pensou, ser abandonada nova ainda, com sete filhos pequenos?...
— Eu imagino o cara: um dia ele olhou ao redor, viu aquele bando de meninos e aí pensou: "Meu Deus, quê que eu fiz?..." Pegou então a maleta, saiu de fininho e caiu no mato.
— Além do mais, a Dininha foi minha amiga de infância, minha melhor amiga. É um jeito de eu agora ajudá-la; de nós dois a ajudarmos.
— Ajudar...
— O que é hospedar por alguns dias uma família?
— Isso não é uma família: é uma horda.
— Nossa casa é grande; nós temos recursos, felizmente...
— O problema não é esse, Mimi; o problema nem é a nossa paz, que eles vão perturbar.
— Então qual é o problema?
— O problema é que eles vão acabar com tudo!
— Acabar com tudo como?
— Acabar com tudo, tudo o que tem aqui: acabar com os quadros, com as esculturas, os tapetes, as orquídeas, os bichos; eles vão acabar com tudo!
— Como você pode falar isso, se você nem conhece os meninos, Artur?
— É preciso?
— Você nem sabe como eles são.
— É uma equação, Mimi; uma equação matemática.
— Equação...
— Pensa bem: sete meninos, sete meninos de três a onze anos, sete meninos engaiolados num apartamento no centro de São Paulo: de repente esses meninos são soltos, levados para o interior e despejados numa casa ampla, com jardins, quintal, bichos... O que vai acontecer?
— Não vai acontecer nada.
— Não, não vai não...
— Não vai acontecer nada.
— Eles só vão acabar com tudo.
— Imaginação sua, Artur.
— Imaginação...
— Você que está imaginando isso.
— Os quadros e as esculturas, eu ainda podia levar para um banco, podia fazer isso. Mas e as orquídeas? E os bichos? Como que a gente vai tirá-los daqui? Onde que a gente vai pôr? E quem iria cuidar deles?
— Pense um pouco, Artur...
— Pensar o quê?
— Pense no que seria essa viagem para os meninos...
— Por que eu vou pensar nisso?
— Você também já foi menino...
— Já, já fui, e dou graças por não ter sido menino de capital e por nunca ter morado em apartamento; e, se mais alguma coisa preciso acrescentar por ter visto galinhas desde pequeno.
— Você também já foi filho...
— Fui, embora não exatamente por minha vontade. Mas, de qualquer forma, posso dizer que ter sido filho foi, pela mãe que eu tive, a melhor coisa de minha vida.
— Então? A Dininha também está querendo ser uma boa mãe para os filhos dela.
— Filhos...
— O quê?
— Para que filhos?...
— Para quê?...
— Será que não vão um dia parar com essa bobagem?
— Se parar, a humanidade acaba.
— Alguma objeção?
— Se não fossem os filhos, uma hora dessas nós dois não estaríamos aqui.
— Nem estaria essa debiloide nos ameaçando com essas sete pragas, com essa catástrofe.
— Bom: nós já falamos muito.
— Já.
— Vamos encerrar?
— Vamos.
— Eu não vou fazer nada.
— Não.
— Eles vêm.
— É.
— Eu até já vou comprar uma lata de biscoitos.
— E eu uma caixa de balas.
— Balas? Você?...
— Balas de revólver, my dear.



(A cabeça)




(Ilustração: Iman Maleki)





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